Em Destaque, Economia, Jurídico, Notícias · 13 dezembro 2019

Prática deve ser enquadrada como crime de apropriação indébita, uma vez que o empresário cobra o valor do tributo do consumidor, mas deixa de fazer o repasse para a administração estadual

Fonte: Estadão

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria a favor da tese de que é crime, com reclusão de até dois anos, deixar de pagar ICMS declarado ao Fisco como devido. Pelos votos já proferidos pelos ministros, a prática deve ser enquadrada como crime de apropriação indébita, uma vez que o empresário cobra o valor do tributo do consumidor, mas deixa de fazer o pagamento aos cofres públicos.

Após seis votos a favor dessa tese e três contra, o julgamento foi suspenso por pedido de vista (mais tempo para analisar o caso) do presidente da Corte, Dias Toffoli e deve ser retomado na próxima quarta-feira (18). Além de Toffoli, falta o voto de Celso de Mello.

Os seis ministros que formaram a maioria consideraram que essa dívida declarada, mas não paga por empresários, pode implicar processo criminal por apropriação indébita, com pena de detenção de seis meses a dois anos e multa.

Todos os seis entenderam que é preciso ser comprovado o dolo, intenção deliberada de não pagar o ICMS, imposto estadual que incide sobre operações como compra de mercadorias (alimentos, eletrodomésticos, bebidas etc.) e é adicionado ao valor do produto adquirido.

Segundo dados encaminhados ao Supremo, em 2018 a dívida declarada e não paga de ICMS em 22 Estados era de mais de R$ 12 bilhões.

Tribunais no País vêm tomando decisões divergentes sobre a possibilidade de condenação criminal dos devedores. Por ser declarada, a dívida não conta como sonegação. Por isso, Estados começaram a entrar na Justiça pedindo condenações. A decisão do Supremo não deve ser obrigatória, mas deve servir de orientação para que as demais instâncias da Justiça analisem os casos.

Na sessão de quarta-feira, 11, o relator do caso, ministro Luis Roberto Barroso, havia votado pela criminalização da prática, desde que a Justiça comprove o dolo (intenção de não pagar), o que deve ser apurado pelo juiz competente. Ele foi acompanhado por Alexandre de Moraes. O ministro Gilmar Mendes divergiu e votou pela tese de que deixar de pagar o ICMS declarado não configura crime.

Nesta quinta-feira, 12, acompanharam o relator os ministros Luiz FuxEdson FachinRosa Weber e Cármen Lucia. Os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio votaram pelo mesmo entendimento que Gilmar Mendes. 

O caso

O julgamento se refere a um recurso apresentado por um casal de lojistas de Santa Catarina, denunciado pelo Ministério Público estadual por não ter recolhido o valor referente ao ICMS em diversos períodos entre 2008 e 2010.

O casal de lojistas ingressou com o Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) em outubro do ano passado, após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter considerado crime não pagar o ICMS declarado. A defesa dos lojistas sustenta que a simples inadimplência fiscal não caracteriza crime, pois não houve fraude, omissão ou falsidade de informações ao Fisco.

Procuradoria-Geral da República (PGR) se posicionou pela rejeição do recurso – ou seja, a favor da tese de que o não pagamento do tributo é crime. O Colégio Nacional dos Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal (Conpeg) também defende que a prática seja considerada crime, sob o argumento de que muitos contribuintes declaram o ICMS e alegam “mero inadimplemento”, causando prejuízo aos cofres públicos.

O julgamento é aguardado pelos Estados, que esperam ter em uma eventual criminalização da prática maior força para cobrar o ICMS devido pelos contribuintes. Uma estimativa conservadora do Conpeg mostra que uma decisão nesse sentido poderia injetar de R$ 350 milhões a R$ 400 milhões nos Estados e Distrito Federal. Mas esse cálculo ainda pode crescer, uma vez que nem todos os governos estaduais conseguiram consolidar os seus dados.

Além disso, o valor se refere apenas ao que já foi declarado e não foi pago, mas está em fase de cobrança. A avaliação é de que a criminalização pode influenciar o comportamento dos contribuintes e desincentivá-los a atrasar o pagamento de tributos.

Dívidas ao INSS

Fontes do governo federal ressaltam que houve uma mudança de comportamento dos empresários quando o não pagamento de contribuições previdenciárias foi criminalizado. A apropriação indébita dessas receitas, que pertencem à União, acabou caindo. Na prática, segundo essas fontes, esse tipo de débito acabou virando uma prioridade para os contribuintes em caso de dificuldades financeiras.  Quando é instaurado o inquérito ou o Ministério Público faz a denúncia, a dívida termina sendo paga, explicou uma fonte.

Na sessão de quarta-feira, Barroso ressaltou que muitos contribuintes deixaram de sonegar e passaram a declarar a dívida, sem quitá-la, na tentativa de escapar da criminalização. “‘Olha, eu devo esse tributo, devo não pago’. Portanto, aumentou exponencialmente a quantidade de episódios de apropriação tributária indébita”, disse. Segundo ele, só em Santa Catarina o número de comunicações desse tipo de prática passou de 1 mil para quase 4,5 mil.

“Houve migração do crime de sonegação para o crime de apropriação indébita. Porque aí eu não pago e não tem consequência de natureza penal. Não é esse tipo de conduta que o direito deseja estimular”, afirmou Barroso.

Votos

O ministro Luiz Fux ressaltou que a possibilidade de sonegar impostos ou “viver às custas do Estado” (como ocorre no caso da apropriação indébita) está introjetada na cultura da sociedade brasileira e é a “gênese da corrupção”.

Fachin, por sua vez, defendeu que o não pagamento “não denota apenas e tão somente inadimplemento, mas sim disposição de recursos de terceiros, aproximando-se de uma espécie de apropriação tributária”.

A ministra Cármen Lucia ressaltou que “não há nada que se possa ser considerado indevido, ilegal ou constrangimento” na apuração do crime de apropriação indébita quando há ausência do repasse do ICMS devido. Ela ponderou que é necessário provar a intenção de não pagar para que haja condenação.