Fonte: Correio Braziliense
Empresários e consumidores ainda estão em processo de aprendizagem das mudanças de hábito que a covid-19 trouxe para as relações de consumo. Mas já há sinais claros de como o comércio varejista deve se comportar nesse momento após a reabertura da economia, e no pós-pandemia. “Quem não estiver disposto a trabalhar a flexibilidade dos seus negócios para gerar novas experiências de consumo perderá oportunidades. A aceleração da digitalização será uma das maiores heranças do novo coronavírus para o setor”, afirma João Sanzovo Neto, presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras).
A integração do varejo físico com o digital, que já era uma tendência, tornou-se uma necessidade ainda mais evidente, disse ele. Enquanto não surgir a vacina contra a doença, o consumidor continuará buscando segurança, dentro das lojas, e atendimento mais rápido. “O estudo Consumer Insights, da empresa de pesquisas Kantar, mostra que, no caso dos supermercados, entre as mudanças mais significativas provocadas pela pandemia está a inclusão de novos canais na rotina de compras da população, que agora se abastece em mercadinhos de bairro, pequenos e tradicionais varejos, para evitar aglomeração.”
O mercado digital, em todos os formatos (aplicativos, WhatsApp ou site de supermercados), tem revolucionado a relação com as marcas e os produtos, ressalta Sanzovo. “O que o cliente quer é conveniência”, reforça. Ele afirma, no entanto, que ainda há muitas incertezas em relação às mudanças que devem ocorrer na organização dos negócios e na relação com o consumidor. “Por ser um país de grande extensão territorial, em muitas localidades, a pandemia está chegando somente agora. Precisaríamos ter a certeza do fim (do contágio) para projetarmos melhor o nosso futuro e, infelizmente, agora isso não é possível”, assinala.
O segmento de supermercados foi um dos poucos que registrou aumento de faturamento durante a pandemia, mas o presidente da Abras não descarta quedas das vendas até o final do ano. Assim como aconteceu entre 2015 e 2017, com períodos difíceis de retomada econômica, o setor vai ter que lidar com uma população com nível de renda mais apertado, pelo menos nos próximos dois anos, destaca.
Mas o maior problema, segundo o empresário, são os riscos a longo prazo – de inflação, de falta de crédito, de investimentos, entre outros. A economia estava frágil antes da pandemia. Após a recessão trazida por ela, a retomada deverá ser lenta, dependente do auxílio do governo federal às empresas que ficaram fechadas, com desburocratização do ambiente de negócios, redução da tributação e das taxas de juros para incentivar novos investimentos e contratações. “E, mais do que nunca, as reformas estruturais, como a tributária e a administrativa, serão fundamentais para ajudar o Brasil a sair da crise.”
Riscos
O economista Fábio Bentes, chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC), diz que mudanças qualitativas e quantitativas estão em curso porque a sociedade se deu conta de que, com a globalização, ninguém está livre de uma nova pandemia. Portanto, a reação a essas incertezas se consolidou. “Se o resultado será bom ou ruim, veremos depois. Mas, somente em junho, as vendas nas lojas físicas despencaram 20%, enquanto as feitas por meio eletrônico subiram 40%”, alerta. A velocidade da reação e das alterações nas relações de consumo, segundo ele, dependerá do estrago provocado pela crise e do ritmo de retomada do setor produtivo.
Já está quase certo, afirma Bentes, de que o primeiro passo dos novos empresários é dar atenção ao comércio on-line, para se adequar aos hábitos da sociedade. “Estamos na curva de aprendizagem do novo normal. Na prática, vamos chegar mais rápido ao 5G, com transações mais rápidas, eficientes, estáveis e seguras, além da evolução da internet das coisas”, prevê. São práticas que se tornaram comuns no mundo civilizado. Mas o Brasil, com quase 40 milhões de “invisíveis”, sem acesso a quase nada, corre o risco de se consolidar como uma Belíndia (como o economista Edmar Bacha classificou, irônicamente, o país, que pelas diferenças sociais é uma junção de Bélgica com Índia). “O governo terá que tomar medidas para democratizar a tecnologia. Ou continuaremos com parte da população na situação da Bélgica e a maioria, nas condições da Índia”, reforça Bentes.
Deborah Maeda, diretora de Varejo da Kantar e especialista em comportamento do consumidor, lembra, com base na última pesquisa da empresa que, para o futuro, com a taxa de desemprego subindo e a renda encolhendo, o consumidor tende a buscar marcas mais baratas ou próprias, canais que ofereçam descontos, preços mais em conta e promoções relevantes, o que deve pressionar as margens do varejo.
“A demanda vai diminuir, mas vai aumentar a competitividade. E a busca, dentro do distanciamento social, ainda tende a continuar favorecendo um consumo maior dentro de casa”, afirma Deborah. “Com esse comportamento dos clientes, os canais que ganharam relevância durante a crise, como o e-commerce e delivery, tendem a ficar e a incrementar o consumo, no confronto com o que se consumia antes”, observa.
A prática
O vice-presidente de Relações Institucionais do Carrefour Brasil, Stéphane Engelhard, diz que, assim como lojas de roupas, nas quais os clientes têm bastante contato com os produtos, os supermercados e hipermercados precisaram encontrar formas de manter segura a passagem do consumidor pelos estabelecimentos. Para Engelhard, o legado da pandemia para o setor é a conscientização com os cuidados sanitários. Segundo ele, até que haja uma vacina ou um medicamento eficaz contra a covid-19, o Carrefour deve continuar com todos os protocolos que adotou – como permitir que freezers sejam abertos sem o uso das mãos, câmeras em infravermelho que detectam temperatura a distância, e máquinas que higienizam as compras do consumidor.
Dono do BlackRock Burguer & Beer, em Guarulhos (SP), o empresário Wesley Oliveira, 35 anos, conta que todos os estabelecimentos que estão em funcionando têm sistema de delivery. “É uma solução para quem consegue operar nesse formato. Mas alguns bares estão totalmente fechados, pois não conseguem trabalhar com esse sistema”, afirma. Wesley diz que, com a chegada da crise, viu-se obrigado a demitir e encontrar alternativas para manter o negócio.
“Tivemos que desligar nossos funcionários e nos reinventar para o novo normal, trabalhando com delivery e investindo muito em redes sociais. Estamos levando dessa forma, tentando pagar as contas com 25% do que faturávamos antes”, desabafa. Hoje, caso reabra, a expectativa é de funcionar, no máximo, com 40% a menos. “Todos estão com muito medo. Não sabem se vão aguentar, por causa dos aluguéis, empregados e demais encargos”, explica o empresário.
Consumidores também estão mudando hábitos. Moradora da Asa Norte, a advogada Edilene Barros, 59, tinha receio de fazer compras on-line, mas passou a comprar frequentemente pela internet. Ela mudou de ideia após a insistência das filhas. O momento de sair das ruas também foi fundamental na decisão. “Antes, eu tinha receio de pagar e de não receber o produto ou não ser do jeito que eu imaginava. Só comprava em lojas físicas. Agora, comecei a fazer compras on-line, e gostei. Apesar de sentir falta das lojas físicas, vou continuar comprando on-line, até porque é a melhor opção que tenho”, conta.