Grandes marcas se adaptam e lançam selo sustentável para aveia, leite em pó, papinha e azeite
Fonte: Folha de São Paulo
A parcela de brasileiros que consomem orgânicos pelo menos uma vez por mês subiu de 15%, em 2017, para 19%, em 2019.
O dado faz parte do Panorama do Consumo de Orgânicos no Brasil – 2019, que o Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável (Organis) vai divulgar oficialmente no dia 4 de setembro.
Não é de se estranhar, portanto, que as grandes indústrias de alimentos estejam colocando esse público no radar.
A Quaker, líder do mercado de aveias, lançou em 2018 três versões orgânicas. Em janeiro de 2020, a Gallo põe no mercado seu azeite extravirgem orgânico. Até a Hellmann’s já tem um ketchup fabricado com tomates e açúcar orgânicos —a marca pertence à Unilever, que adquiriu a Mãe Terra, 100% orgânica, em 2018.
“Era um movimento esperado. São empresas que já tinham braços orgânicos em outros países. O momento para lançar novos produtos no Brasil não poderia ser mais oportuno, o consumidor pede por eles”, diz Cobi Cruz, diretor de marketing da Organis.
A Nestlé, que já tinha lançado aveias orgânicas e a linha de chocolates Talento Terruá em 2018, vai colocar duas novidades nas prateleiras nas próximas semanas: as papinhas NaturNes e o Ninho Orgânico.
O novo leite em pó demandou dois anos de investimentos, segundo o vice-presidente de Comunicação e Marketing da Nestlé, Frank Pflaumer.
“Selecionamos 49 fazendas que já forneciam leite para a Nestlé, na região de São Carlos e Araçatuba, em São Paulo, e demos apoio para que iniciassem o processo de conversão para a produção orgânica.”
Além de mudar o pasto e a estrutura do local, os produtores tiveram que abraçar o projeto Cowsense, que controla o bem-estar dos animais através de brincos eletrônicos.
Para que o consumidor saiba detalhes do processo, uma plataforma interativa começa a funcionar em setembro.
Quem visitar a loja própria da Nestlé, localizada na sede da empresa, na zona sul paulistana, poderá acompanhar, com tecnologia de realidade virtual, todo o caminho que a matéria-prima percorre.
“O consumidor está mais consciente e espera das marcas uma postura verdadeira. Ele quer ter a certeza de que toda a cadeia é tratada com respeito”, diz Pflaumer.
Para a indústria, a obtenção da certificação orgânica reconhecida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento é um processo complexo, que não se limita à seleção de fornecedores.
A lei 10.831/03 determina que, para ser vendido como orgânico, o produto deve conter pelo menos 95% de ingredientes certificados —e os 5% que fogem à regra precisam estar identificados no rótulo.
Outro ponto crítico do segmento é o preço. Segundo o gerente comercial do Grupo Pão de Açúcar, Eduardo Finelli, a diferença começa em 10%, mas pode ser bem maior: na loja online da rede, a aveia orgânica em flocos Quaker custa quase três vezes mais do que a versão convencional.
“Por isso criamos o dia do orgânico, que começou às quintas e, hoje, acontece também às quartas. Nesses dois dias, quando damos 20% de desconto em todos os produtos da categoria, o movimento das lojas já se equipara ao do fim de semana.”
A lista de orgânicos, diz Finelli, chega a mil itens e não para de crescer. “Os próprios fornecedores nos trazem novidades. Já temos kombucha e energético orgânicos.”
Para Léo Texeira, sócio da consultoria NaMesa, muitas marcas de peso devem embarcar nessa tendência nos próximos anos.
“Comparo ao movimento das cervejarias artesanais. O sucesso foi tanto que até a Ambev lançou rótulos especiais.”
Mas conquistar o consumidor de orgânicos, ele adverte, nem sempre é fácil.
“Não adianta estampar o selo na embalagem só pelo marketing positivo. É um público que tem o hábito de ler rótulos, busca alimentos saudáveis e não se deixa enganar.”
Demanda impulsiona companhias que já nasceram ecológicas
O consumo de alimentos orgânicos já foi considerado coisa de gente excêntrica. “Até a década de 1980, éramos chamados de bicho-grilo. Depois, viramos alternativos. Só após 2010 viramos consumidores conscientes”, diz Reginaldo Morikawa, diretor-superintendente da Korin.
Fundada em 1994, no interior de São Paulo, a empresa desbravou o mercado.
No início, sua linha de produtos se limitava a itens de hortifrúti, frangos e ovos. As embalagens não estampavam o selo de orgânico, porque não havia regulamentação no país.
Em 25 anos, a Korin chegou a 241 itens no portfólio, de cereais e hambúrguer, distribuídos para 11 lojas próprias e 3.000 pontos de venda em todos os estados. Entre 2007 e 2018, a empresa cresceu 545%.
A diversificação também tem sido a estratégia da Mãe Terra. Fundada em 1979, a marca foi adquirida pela gigante Unilever, em 2018, e já tem 150 itens no portfólio.
Presente em todas as grandes redes de varejo, a empresa também vende 2,5 milhões mensais de saquinhos de snacks, biscoitos e chips para a companhia aérea Gol.
“Estamos com uma forte plataforma de inovações. São linhas de pipocas prontas, farofas e ingredientes básicos, como grãos e farinhas”, diz o fundador, Alexandre Borges, que se manteve à frente da empresa após a aquisição.
Segundo o empresário, a atual legislação ainda requer reajustes —ele considera vaga a lista de aditivos naturais permitidos, por exemplo—, mas admite que a lei oferece estímulos para a indústria que quiser apostar no segmento.
“É permitido compartilhar equipamentos usados na produção convencional, desde que o plano de manejo seja aprovado pelas certificadoras. Isso é bom, pois não exige investimento em maquinário.”