Em Destaque · 01 dezembro 2021

Fernando Yunes, que comanda operação no Brasil, destaca que setor de alimentos explodiu neste ano diante da inflação

Dos dez produtos mais vendidos durante a Black Friday no Mercado Livre, oito foram de supermercado, categoria que cresceu 540% em volume na edição deste ano do evento, que ocorreu na sexta-feira (26).

A inflação em alta deixou itens caros em segundo plano, e muitos consumidores com orçamento apertado adiaram a compra de celular para encher carrinhos com comida, papel higiênico e ração de pet.

A avaliação é de Fernando Yunes, que lidera a operação do Mercado Livre no Brasil. A plataforma representa cerca de 30% das vendas no mercado digital.

“As famílias com o poder aquisitivo pressionado queriam trocar de celular e resolveram segurar mais um pouco. Decidiram pegar promoções de itens de gasto recorrente, como papel higiênico, alimentos em bastante volume, produtos de cozinha, de limpeza, comida de pet”, afirma Yunes.

Além da inflação, parte da população trocou de aparelho e adquiriu novos eletrônicos e eletrodomésticos no primeiro ano de pandemia. Com problemas de suprimento de peças e desvalorização do real, a indústria de tecnologia teve dificuldade para repassar descontos ao consumidor final.

“Em relação ao preço histórico, pode haver essa percepção de que o evento não teve grandes descontos, mas a indústria se esforçou e os varejistas também”, disse. “Quando o preço sobe 20% e, na promoção da Black Friday, o desconto é de 20%, o consumidor final —que não está preocupado com os custos, com a matéria-prima e com o dólar— pensa que é o mesmo preço de um tempo atrás.”

Segundo Yunes, a plataforma ganhou participação de mercado. Dados do ecommerce apontam para crescimento de 5% a 6% no faturamento da Black Friday neste ano. Com o desconto da inflação, no entanto, as vendas ficaram até 5% menores na comparação com 2020.

Qual o balanço da Black Friday? De crescimento contra o ano passado no valor total vendido, mas com uma combinação diferente: a categoria de supermercados cresceu 540% em volume e 310% em GMV [valor bruto de mercadoria], então foi um crescimento muito forte, nos surpreendeu positivamente. Foram produtos de grandes parceiros, como GPA, Nestlé, Unilever, Ambev, Heineken, Big, entre outros.

As categorias de tíquete [valor] médio mais alto tiveram um desempenho que não se compara com o de supermercado, o que mostra uma mudança de mix do carrinho, com alta de produtos essenciais.

Como foi a venda de eletrônicos? Ainda foi a categoria que mais vendeu. A Black Friday é muito forte em eletrônicos, depois vem casa e decoração. Um dado interessante é que em todo o Mercado Livre o tíquete médio dos clientes cresce 1%, mas por dentro desse tíquete o que notamos é mais produtos no carrinho, só que produtos individualmente 11% mais baratos na comparação com o ano passado.

Então, em linhas gerais, inflação de 10%: os produtos que em 2020 custava R$ 100, hoje mesmo com as promoções, custam R$ 110. As pessoas compraram itens mais baratos a ponto de o valor médio de cada produto cair 11%. Em um momento de pressão no orçamento das famílias, esse foi o comportamento.

Quanto representou a mercearia entre os mais vendidos? Dos dez mais vendidos, oito foram itens de supermercado: leite condensado, bebidas, cerveja, achocolatado, cápsula de café. Para você ter uma ideia, de quinta (25) a sexta (26), vendemos mais de 4 milhões de produtos. Tudo já foi despachado e vamos entregar a Black Friday na segunda-feira (29).

Essa mudança no carrinho vem de mais tempo ou é pautada pela inflação em alta? É uma combinação de duas coisas. O Mercado Livre representa 30% do ecommerce, então dá para entender um pouco o que acontece na macroeconomia.

O primeiro ponto é a redução do tíquete médio e o segundo vem do nosso esforço de desenvolver a categoria de supermercados no online. Ela é líder de consumo no Brasil, mas a penetração digital era menos de 1%, agora está na casa de 2%.

Em relação ao cenário, acho que as famílias com o poder aquisitivo pressionado queriam trocar de celular e resolveram segurar mais um pouco. Decidiram pegar promoções de itens de gasto recorrente, como papel higiênico, alimentos em bastante volume, produtos de cozinha, de limpeza, comida de pet, que aumentou 370%.

O número de itens eletrônicos vendidos recuou, ao passo que o setor de cuidados pessoais e o de material de construção e ferramentas cresceram mais de dois dígitos.

Os vendores conseguiram dar descontos como nos outros anos? Conseguiram dar desconto, mas a indústria vem passando os custos. Algumas registraram aumento de 10% a 30% no valor do produto, principalmente a indústria eletrônica, onde há falta de componente e o dólar impacta diretamente.

Quando o preço sobe 20% e, na promoção da Black Friday, o desconto é de 20%, o consumidor final, que não está preocupado com os custos, com a matéria-prima e com o dólar, pensa que é o mesmo preço de um tempo atrás. Esse produto está 20% mais barato do que será depois da Black Friday, mas é difícil a pessoa olhar para o preço e falar: “deixa eu comprar agora porque depois vai ser mais caro”.

Em relação ao preço histórico, pode haver essa percepção de que o evento não teve grandes descontos, mas a indústria se esforçou e os varejistas também. Colocamos 20% a mais de investimento na comparação com o ano passado [a empresa trabalha com descontos financiados em parceria com os vendedores], mas mesmo assim essas categorias acabaram sofrendo.

O setor de tecnologia também vendeu muito no primeiro ano da pandemia. Também houve antecipação. A venda foi muito explosiva no ano passado e veio forte até o primeiro trimestre deste ano. Quem trocou geladeira não troca. Estamos no momento em que a economia fica difícil, mexe no grau de confiança das pessoas, daqui a pouco vem a eleição. O consumidor espera, compra o essencial.

Você mencionou 4 milhões de itens. A logística estava preparada para essa mudança, de saída de itens menores mas em nova escala? Na segunda-feira estarão na casa das pessoas. O investimento foi durante o ano, antecipamos que essa demanda por supermercado poderia surgir. Contratamos 2.000 pessoas só para a Black Friday, são hoje 12 mil trabalhando em logística. Teve todo o investimento em centros de distribuição, aviões, o evento poderia ter sido maior que iríamos atender. Estamos com 1 milhão de famílias que tira metade da renda do Mercado Livre, é uma obrigação a cadeia funcionar.

Os primeiros dados do ecommerce saíram. Apesar do aumento nominal, que sempre acontece, a inflação retraiu o faturamento. O que posso dizer é que ganhamos participação de mercado. Novembro foi muito forte. Um crescimento de 6% no ecommerce é baixo, a gente cresceu mais que isso. Neste ano, o crescimento é sobre lojas 100% abertas, então temos que ponderar que o ecommerce cresceu com as compras nas lojas físicas. No ano passado, foi totalmente online, neste ano, dividimos o bolo.

O resultado desta sexta muda a expectativa para a venda de Natal? Vamos manter o plano. É uma data com muitos presentes, roupas, mas seguiremos investindo forte em supermercado. As pessoas vão começar a usar muito essa categoria.

RAIO-X

Fernando Yunes é líder da operação do Mercado Livre no Brasil desde 2020. Antes, presidiu a Sem Parar e trabalhou por dez anos na Whirpool, onde foi vice-presidente de vendas e transformação digital. É graduado em administração de negócios e em engenharia mecânica e tem MBA pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos. *A informação é do Jornal Folha de S. Paulo

Fonte: Portal ozk