Marcio Milan, vice-presidente institucional da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), é o quarto entrevistado da temporada Minas S/A sobre o setor supermercadista, que segue até dezembro em todas as plataformas de O TEMPO
Marcio Milan, vice-presidente institucional da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), é o quarto entrevistado da temporada Minas S/A sobre o setor supermercadista, que segue até dezembro em todas as plataformas de O TEMPO.
Há 50 anos no mercado – 44 deles no GPA (Grupo Pão de Açúcar) e os últimos seis anos na Abras –, Marcio fala sobre as necessidades do setor: reforma tributária, segurança jurídica, reforma trabalhista e a questão das multas.
São debates essenciais para um setor que representa 7,03% do PIB do país, tem 3,1 milhões de colaboradores diretos e indiretos, mais de 28 milhões de consumidores por dia nas lojas (são 92.588 em todo o país) e que faturou R$ 611,2 bilhões em 2021.
São 50 anos no setor, e tudo isso aliado a uma vida supersaudável. Conte um pouquinho da sua trajetória?
O varejo exige muito das pessoas. É um dos segmentos da economia que trabalham em feriado, sábado, domingo porque ele precisa atender o consumidor. E na empresa em que eu trabalhava, o Pão de Açúcar, onde eu fiquei 44 anos, o Abílio Diniz, que era o dono, trazia sempre essa cultura. Ele dizia o seguinte: o esporte traz benefício para as pessoas. Eu era uma pessoa que trabalhava muito, achava que o esporte era mais para as pessoas que tinham poder aquisitivo mais alto e depois eu vi que o esporte atendia todo mundo – basta ter um tênis, um short e uma camiseta. E aí comecei a fazer maratonas, ultramaratonas. Eu não sabia nadar, não sabia pedalar, só sabia correr. E fui incentivado pelo colega João Paulo Diniz, que faleceu recentemente, e que trouxe essa cultura. Então eu aprendi a nadar, a pedalar. Fui fazer iron man e hoje eu sou ciclista. Entrei no hall da fama nos Estados Unidos – eu sou o único brasileiro que conseguiu ganhar três vezes essa prova, são 5.000 km. O esporte traz disciplina, e você consegue administrar melhor seu tempo. O benefício será colhido um pouco mais adiante.
Você foi para a Abras em 2016. O que representa a entidade para o setor supermercadista e os seus interesses? Conta pra gente um pouco da história.
A Abras existe há mais de 53 anos e representa todos os supermercados do Brasil, desde o pequeno, o médio, o grande, o hipermercado, os atacarejos, as vendas dos minimercados e o mais recente, as vendas por conteinêres em condomínio. Então toda essa representatividade é feita pela Abras através das suas afiliadas, que são as associações estaduais. Fazemos uma pauta institucional em Brasília exatamente para defender o interesse, o segmento desse setor que representa 7,03% do PIB brasileiro. Emprega mais de 3 milhões de trabalhadores (são 3,1 milhões de colaboradores diretos e indiretos).
São mais de 3 milhões de trabalhadores?
É o setor da economia que mais emprega e o que mais emprega o primeiro emprego porque, normalmente, as pessoas começam pelo supermercado. E uma outra coisa interessante é que hoje, quando você olha esse universo de 3 milhões de pessoas, mais da metade são mulheres. Então é um setor que tem uma empregabilidade maior para as mulheres. E aí, quando você olha esse universo, estou falando de mais de 92 mil lojas espalhadas pelo país.
E esse setor só cresce, não é?
Só cresce. E para atender quem? Mais de 28 milhões de consumidores que vão todos os dias nessas lojas. De tudo aquilo que a população brasileira consome, 87,3% passa pelo supermercado.
Essa atividade é essencial, não é?
É uma atividade essencial porque trabalha de segunda a segunda exatamente para atender o consumidor na hora que ele precisa.
São quantas empresas hoje?
Estamos falando de mais de 35 mil empresas espalhadas pelo país.
Na área política, por que a reforma tributária é tão importante para o setor supermercadista e o consumidor?
Quando a gente olha o embaraço tributário que existe, tem impostos que são municipais, estaduais e federais. O consumidor acaba nem sabendo como tudo isso é feito. E nós, da Abras, estamos defendendo a reforma tributária para simplificar para o consumidor e ter mais claramente o que ele está pagando. Porque hoje, quando ele chega lá no supermercado, ele vê o preço do produto e não sabe o que está pagando: se é o preço do produto, se é o imposto, se é o frete, se é a logística, se é a margem do supermercado. Então a reforma tributária vai mostrar para o consumidor o real preço que ele está pagando do produto e aquilo que é de imposto. Porque o imposto bem gerido é necessário. Ele é necessário para o desenvolvimento, ele é necessário para a educação, ele é necessário para a saúde, é necessário para a segurança. O consumidor reconhece e está disposto a pagar, mas pagar aquilo que é justo.
E o que é justo? Um imposto único?
Esse seria um dos caminhos. Dentro desse imposto que nós estamos propondo, e debatendo sobre todos os impostos da cesta básica de produtos de alimento, que não tenham impostos esses produtos.
É possível fazer isso?
É possível, embora a reforma que está no Congresso ainda onere a cesta básica. Então nós queremos avançar nesse caminho, mas queremos também que o governo, os Estados e os municípios retirem todos os impostos para a gente ter uma alimentação com um valor menor e que a gente possa sair dessa insegurança alimentar, porque a gente sabe que ainda existe fome em determinadas regiões do país e, se for uma reforma tributária justa, com certeza vai ajudar a diminuir a pobreza e a fome no país.
Na segurança jurídica, o país é seguro para investir? Ou cada hora é uma mudança na lei, uma indústria da multa?
Essa é uma das grandes pautas que nós temos. O empresário está seguro para investir? O segmento supermercadista vem investindo regularmente todos os anos. Mas tem algumas inseguranças que traz na sua operação. Uma delas é a questão das multas. O supermercado trabalha com um universo muito grande de produtos: tem supermercado que trabalha com 12 mil itens e um grande hipermercado chega a trabalhar com 80 mil itens. Toda operação do supermercado é muito manual, e muitas vezes ocorrem falhas humanas porque falhas humanas ocorrem em toda e qualquer situação.
A robotização ainda não chegou às gôndolas para o robô ver o estoque e ver o produto que já venceu.
Isso vai demorar um pouco, mas vai chegar. Nós não somos contra as autuações, somos contra a dosimetria.
Vamos dar um exemplo.
Se pegou uma falha num supermercado de um biscoito que estava com uma data de validade vencida, o fiscal vai autuar e pegar a receita e a venda. Mas, em vez de ele pegar a receita e a venda daquela loja, daquele produto específico (que seria mais justo), ele pega o total da venda da empresa. Uma empresa que tem 500, 600 lojas e que o erro foi numa loja e que as outras lojas não tem nada a ver. Ele vai receber uma multa tão grande que pode chegar a milhões de reais, quando na realidade, o que seria justo seria autuar aquela falha específica que ocorreu naquela loja, então isso traz uma insegurança para o proprietário, então estamos trabalhando nisso aí.
Ninguém quer que o trabalhador no Brasil perca seus direitos, mas dá para ter um ambiente que ele seja mais bem remunerado e estimule o empresário a gerar mais empregos?
Uma das coisas que estamos trabalhando junto ao Congresso Nacional e, principalmente, no Executivo é a questão da oneração da folha de pagamento. Se a gente desonerar a folha de pagamento, é um movimento, desonera a folha, aumenta o emprego.
Outra questão é a doação de alimentos.
Nós precisamos trazer a segurança jurídica para quem doou, a segurança jurídica para quem recebe e a segurança jurídica para o beneficiário. Hoje não existe essa segurança clara, definida em lei para cada um. Na medida em que nós conseguimos resolver essas inseguranças jurídicas, de um lado, eu vou conseguir empregar mais, de outro lado, o empregador vai investir mais e de outro lado a gente vai conseguir atender as populações carentes com doações. Isso é uma das pautas que estamos trabalhando forte junto ao Congresso Nacional e junto ao Executivo.
Eu vejo que a Abras também tem que trabalhar a imagem do supermercado. A gente tem aqui no Brasil uma imagem, eu vejo, às vezes, muito distorcida do supermercado. Eu vejo as pessoas dizerem: “Ah o supermercado é vilão porque ele quis faturar na pandemia, ele quer colocar o preço lá em cima, ganhar mais nas costas seja do produtor, da indústria, do consumidor”. O que existe de certo e errado nessa visão do consumidor aqui no Brasil?
Eu diria que nem certo ou errado. Eu diria que o setor precisa amadurecer mais. Ele precisa ser mais transparente nas questões quando envolvem de um lado inflação, de outro lado falta de produto. Eu vejo que a pandemia trouxe esse novo olhar não só no próprio consumidor para o supermercado, mas o supermercado sentiu a necessidade de ser mais transparente com o consumidor. Eu vou dar um exemplo com relação ao arroz. No momento mais alto da pandemia, quando estava tudo fechado, com restrições, o preço do arroz disparou. Porque houve um consumo maior mundial de arroz, e o Brasil não era um grande exportador de arroz. Como começou a faltar arroz, outros países vieram aqui e passaram a comprar o arroz. Então o Brasil passou a exportar arroz. Ao exportar, o preço ficou mais convidativo para o exportador. Consequentemente, ele tem que olhar o negócio dele, ele exportou.
Ia ganhar em dólar, ia preferir o quê, não é?
Aí o que nós fizemos? Fomos ao mercado e dissemos o seguinte: o Brasil está exportando mais, o arroz produzido no Brasil é de excelente qualidade e nós não podemos trazer arroz de fora que não tenha o mesmo padrão de qualidade. Aí nós fomos ao Ministério da Agricultura, falamos com a ministra Tereza Cristina, que se sensibilizou, falou com o ministro Paulo Guedes e reduziu os impostos de importação do arroz. Ele deu uma determinada quantidade e um determinado período e que fez com que o arroz não subisse mais o preço. O consumidor olhou isso e passou a entender melhor esses movimentos.
O que a Abras passou a fazer a partir daí?
Ouvir mais o setor produtivo e tentar mostrar para o consumidor essas grandes diferenças. Então nós tivemos uma questão grande de produção ora do tomate, ora da batata, ora da cebola. Nós ouvimos o produtor e levamos isso para o consumidor. Porque é um momento muitas vezes de safra, entressafra, é chuva, é seca.
Não é o produtor que coloca o preço, é a indústria que compra dele e depois passa para o supermercado.
O que está acontecendo é uma melhor comunicação com o consumidor. Agora isso é um processo, é um processo que o consumidor precisa olhar e entender tudo que é feito na cadeia para que o produto chegue até a mesa dele com qualidade e com segurança.
As redes estão conseguindo continuar com escala abrindo lojas e ao mesmo tempo oferecendo uma gama bem maior de serviços para o consumidor. Elas estão conseguindo isso?
Tivemos alguns momentos em que a gente sentiu de um lado que o supermercado precisava oferecer mais opções para o consumidor – novas tecnologias, novos serviços, novas formas de atendimento – só que isto estava um pouco defasado de acordo com aquilo que o consumidor estava precisando. Então essas empresas continuaram a investir buscando escala porque, mesmo em alguns momentos de incerteza, ele tinha que tomar uma decisão, e a decisão que as principais empresas do varejo e principalmente aqui em Minas tomaram foi continuar as expansões, foi continuar buscando escala.
O setor supermercadista precisa crescer em volume de lojas?
Precisa crescer em volume de lojas e em volume físico de produto. Isso faz com que ele sempre tenha um olhar um pouco mais adiante.
A quantidade de lojas que o varejo abriu em 2022 está maior que a quantidade de lojas que abriu em 2021?
Está. Quando você compara, há um crescimento de quase 4% em número de lojas maiores.
São mais lojas abertas neste ano no acumulado de janeiro a setembro de 2022?
Não é só abertura de lojas, são reformas de lojas, e essas reformas muitas vezes é muito mais do que uma abertura nova, porque ela traz todo uma modificação de estrutura dentro da loja com novos serviços, novos equipamentos e fica muito mais agradável também para o consumidor. E o consumidor enxerga isso porque muitas vezes a qualidade dos equipamentos demonstra a qualidade das lojas.
Ninguém quer ir a uma loja decadente.
Não. Ele quer chegar lá e sentir a segurança porque tem um ponto que eu sempre gosto de falar: qual é a diferença entre segurança alimentar e segurança do produto? A segurança alimentar é de responsabilidade do governo, é garantir alimentação para a população. E a segurança do alimento é do supermercado, ele precisa garantir o alimento seguro para população.
É uma responsabilidade enorme.
Existe preocupação dos supermercados que é uma legislação que foi editada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Ministério da Agricultura. Os dois se uniram e fizeram a instrução dizendo o seguinte: os vegetais frescos hoje precisam ter um processo de boa prática e precisam ser rastreados. O que quer dizer rastreados? O produtor tem que colocar no caderno de campo que pode ser manual ou digital todo o processo produtivo. Mais de 40% de tudo o que é comercializado de fruta e legumes nos supermercados é rastreado.
Fonte: O Tempo