Em Destaque · 27 outubro 2021

Fresco Labs ajuda lojas a otimizarem compra de fornecedores

Quem se propuser a tentar resolver o desperdício de alimentos no Brasil vai precisar enfrentar um problema primário: driblar o apagão de dados sobre o assunto no país.

“Esses dados não existem se a gente pensar na cadeia como um todo, do campo à mesa”, afirma Gustavo Porpino, analista da Embrapa desde 2005 e membro do grupo de trabalho do G20 sobre desperdício de alimentos. A maioria dos dados que existem, diz, é pouco confiável.

Há um setor nessa cadeia, porém, que está mapeado: o do varejo, que conta com um levantamento anual sobre perdas feito pela Abras, a Associação Brasileira de Supermercados.

Foi com essas informações que o empreendedor Mauricio Reck se deparou em 2019 quando pesquisava sobre desperdícios em empresas. Ele buscava inspiração para montar um negócio após encerrar as atividades da startup que fundou nos Estados Unidos, onde morou quando fazia mestrado.

Junto com Marcelo Sala Reck, Rodrigo Meira de Andrade e Marco Boaretto, ele fundou no ano passado a Fresco Labs, startup que otimiza a compra de produtos frescos pelo varejo por meio de inteligência artificial.

Em 2020, foram R$ 7,6 bilhões em perdas, somando todas as 228 empresas participantes, diz o levantamento da Abras divulgado em maio deste ano. Esse montante representa 1,79% do faturamento bruto das lojas.

O DESPERDÍCIO NO VAREJO BRASILEIRO EM NÚMEROS
Levantamento da Abras foi feito com 228 redes de supermercado brasileiras e divulgado em maio deste ano

  • R$ 7,6 bilhões foi o montante que representou as perdas no ano passado, somando todas as empresas
    O número é 1,79% do faturamento bruto das lojas analisadas pelo levantamento
  • 81% das perdas sobre o faturamento bruto são de produtos perecíveis
    No grupo de frutas, legumes e verduras, as maiores perdas de 2020 foram de tomate, batata e banana
  • 73% das empresas de varejo participantes do levantamento possuem áreas de prevenção de perdas
    Em 2015, eram 66% das empresas do levantamento que possuíam um setor exclusivo para o tema

Com dados em mãos, Reck tentou entender como o desperdício se dava na ponta. “O funcionário que faz a compra geralmente não tem uma especialização. Ela faz uma compra baseada em cálculo manual, em intuição humana”, afirma.

Os sistemas usados pelas lojas também tinham problemas, porque eram feitos para produtos padronizados, com data de validade. E alimentos frescos são a maior parte do desperdício: no ano passado foram responsáveis por 81% das perdas do faturamento bruto, segundo levantamento da Abras.

Como, então, focar nos produtos perecíveis e identificar padrões de consumo? “Foi nessa nuance que a gente pensou: vamos prever demanda”, afirma.

Um algoritmo da empresa é o responsável por isso. Ele sugere quanto e como deve ser a compra com o objetivo de aproximar a curva de demanda dos diferentes alimentos no mercado à curva de oferta. Por ser uma sugestão, não automatiza o processo e nem dispensa o funcionário responsável pela compra, que decide se vai acatar a dica.

Para fazer a projeção, a startup considera três tipos de informação. Histórico de vendas e campanhas publicitárias passadas são os chamados dados internos. Os dados futuros são promoções agendadas e eventos, como feriados. O externo, a concorrência de preço: qual o preço do tomate projetado para o dia seguinte no Ceasa (Centro Estadual de Abastecimento), por exemplo? As informações são adicionadas ao algoritmo, que faz inúmeros testes para sugerir ao supermercado como comprar.

“Os dados internos nos oferecem o quanto comprar, os externos e de futuro, a simulação de mercado para dizer quando é o melhor dia para comprar”, afirma Reck.

A startup ainda pretende inserir informações mais sofisticadas. “A nossa intenção é fazer o mapeamento todo, como o preço do dólar e do barril de petróleo, por exemplo, que impacta no transporte”, diz ele.

Na ponta, a sugestão de compra chega ao funcionário na própria plataforma que o mercado usa, via API (Application Programming Interface, ou Interface de Programação de Aplicativos, em português), o que o empreendedor considera uma vantagem. “Uma coisa que os supermercados não querem é mais uma interface”, diz, que refletiria em gastos como o treinamento dos funcionários.

No programa piloto, a redução de desperdício considerando todos os alimentos foi de 57%, o que dobrou o lucro do mercado no mês.

“O custo do desperdício é o custo de se fazer negócio para o supermercado. O estabelecimento está olhando muito mais para a ruptura, que é a falta na prateleira, do que para o desperdício. Isso foi algo que a gente teve que adicionar”, conta o empreendedor.

Nos últimos anos, a administradora Camila Colombo de Moraes se debruçou sobre a questão do desperdício no varejo. A sua tese de doutorado pela Ufscar (Universidade Federal de São Carlos) é justamente sobre a relação fornecedor-supermercado.

“Um dos principais problemas que eu identifiquei foi que o supermercado não consegue fazer previsão de demanda, então compra o quanto acha que vai vender e essa é a informação que fica para o fornecedor”, diz Moraes.

O produtor rural, então, planeja a plantação de acordo com esse dado, muitas vezes impreciso. “Falta um sistema de previsão de demanda que seja mais eficiente que uma planilha mostrando o quanto foi vendido no ano passado”, diz.

A conclusão é parecida com a de Mauricio Reck: os supermercados são incipientes no que diz respeito a tecnologia.

“Eles são conservadores nesse ponto. Depois que todos já testaram uma determinada tecnologia, incorporam. Essa é a nossa grande dificuldade como negócio”, afirma Reck.

Fonte: Folha de São Paulo