A definição sobre quais os itens incluídos na cesta depende de nova lei e abrirá debate sobre saúde alimentar
A reforma tributária aprovada definitivamente na Câmara dos Deputados na sexta-feira (7) estabeleceu que produtos da chamada cesta básica serão isentos de impostos. A ideia do benefício fiscal é reduzir o custo dos produtos básicos da alimentação do brasileiro.
Mas que produtos são esses? A tal reforma não os define. Prevê, aliás, que essa definição será feita por meio uma lei complementar que será discutida depois que a reforma entrar em vigor —ela ainda precisa passar por votação no Senado e, se aprovada, pela sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Atualmente, a composição de uma cesta básica varia conforme visões de entidades sobre ela. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), por exemplo, realiza pesquisas mensais sobre o preço de uma cesta em capitais do país. A cesta do Dieese pesquisada em São Paulo, contudo, é diferente da apurada periodicamente pela Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-SP).
A cesta do Dieese tem 13 itens: leite, arroz, feijão, batata, entre outros. Segundo o órgão, foram definidos de acordo um decreto de 1938.
Em maio, a cesta básica do Dieese custava R$ 791,82 em São Paulo. Já a cesta básica do Procon-SP custava 1.261,36 –quase 60% a mais.
Essa diferença é explicada porque a cesta básica apurada pelo Procon-SP tem 39 itens. Inclui produtos de higiene pessoal e limpeza, como sabão em pó e desodorante –algo que o Dieese não considera. Além disso, prevê a compra de salsicha, biscoito recheado, presunto e outros ultraprocessados, cuja qualidade nutricional é reprovável.
Isso, obviamente, despertou a preocupação de entidades que lutam por uma alimentação de qualidade. Marília Sobral Albiero, coordenadora da campanha sobre Alimentação Saudável da organização ACT Promoção da Saúde, prevê uma disputa acirrada no Congresso Nacional pela definição do que é uma cesta básica, com lobby da indústria e do agronegócio para garantir benefícios tributários a produtos que lhe interessam.
“Se o Congresso não tiver um olhar adequado, vai entrar muito ultraprocessado [na cesta]. Por exemplo, a margarina. Há brechas em termos de saúde da população e para atender interesses de setores”, diz Albiero.
Ela ressaltou que a isenção à cesta básica como essencialmente positiva. A grande questão agora é garantir que ela esteja alinhada com políticas de saúde, de alimentação, de produção sustentável de alimentos, etc.
“A isenção é um mecanismo interessante. Agora, é preciso que ela siga o que está descrito no Guia Alimentar da População Brasileira [publicado pelo Ministério da Saúde]”, afirmou.
Críticas à reforma
Marília Albiero, aliás, vê a reforma tributária desconectada de políticas públicas em vigor no país. Ela criticou o fato de o texto aprovado na Câmara garantir tributação reduzida para agrotóxicos, sendo que o governo quer incentivar a produção orgânica.
“A reforma tributária tem muito um olhar econômico. Ela não tem coerência com as outras políticas de meio ambiente, de transição ecológica, de saúde”, disse ela. “A política econômica –no caso aqui, a tributária– não tem esse diálogo.”
Alan Tygel, membro da coordenação da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), também viu esses benefícios a agrotóxicos como um problema da reforma.
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Ele lembrou que, só em 2017, R$ 10 bilhões em impostos não foram recolhidos por conta desse tipo de descontos concedidos a venenos agrícolas, que comprovadamente causam mal à saúde e ao ambiente.
Tygel lembrou que a reforma prevê taxação extra para produtos com essas características. O texto aprovado na Câmara, porém, só prevê essa cobrança para cigarros e bebidas alcoólicas, pelo menos por ora.
Para ele, alguns alimentos ultraprocessados deveriam estar na lista dos itens com tributos mais elevados. Nunca incluídos numa cesta isenta.
Marília Albiero, da ACT, concorda. “Pelo impacto ambiental, uso de plástico, de água, pelo impacto em doenças crônicas, como diabetes e obesidade, já era suficiente para que os ultraprocessados fossem incluídos no hall do imposto seletivo [mais alto].”
Tygel ainda acrescentou que a isenção fiscal para alimentos da cesta básica serve para ricos e pobres, o que não é recomendável. Ele disse que a própria reforma prevê outras formas de facilitar o acesso a alimentos para os mais pobres, como o cashback –isso é, quando pobres comprometem mais sua renda com impostos que ricos. A alternativa, porém, não foi cogitada.
“O rico não precisa de isenção na cesta básica. Ele poderia pagar o imposto e financiar o cashback aos mais pobres”, afirmou ele.
Que reforma é essa?
A reforma tributária prevê mudanças principalmente em impostos sobre consumo. Ela substitui o IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS por uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que será gerida pela União, e um Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), gerido pelos estados e municípios.
A reforma também prevê a criação de fundos para compensar estados e municípios que percam parte de sua arrecadação durante o processo de transição para o novo sistema tributário.
Fonte: Brasil de Fato