Entenda as consequências de um cadastro mal gerido e o porquê este ainda é um tema sensível para os supermercados
O cadastro de produtos é uma das bases da operação do varejo alimentar e, mesmo com os contínuos avanços e progressos registrados pelos supermercados brasileiros em muitas frentes, este quesito segue como um grande desafio para o autosserviço. A inevitável interrogação que fica, portanto, é por que este ainda é um tema sensível para o setor supermercadista, considerando o atual nível de informação e de recursos tecnológicos à disposição das empresas?
Em sua missão de apoiar o setor no enfrentamento de todos os seus desafios, SuperHiper entrevistou duas grandes referências neste assunto, a Associação Brasileira de Automação (GS1 Brasil) e a Vércer, empresa que oferece um serviço de qualificação de dados de produtos a partir de uma base cadastral centralizada, que é fruto de uma joint venture entre a entidade e a Associação Paulista de Supermercados.
A respeito do persistente gargalo que ainda vigora no setor supermercadista a respeito do cadastro, a gerente de Desenvolvimento Setorial da GS1 Brasil, Ana Paula Vendramini Maniero é enfática: “Não vejo nos últimos anos aumento na qualidade de dados que o varejo tem na ponta. A tratativa de dados está igual, mas sua importância mudou, o que deixa o autosserviço atrasado em relação à essa pauta”, disse.
Sobre o motivo deste cenário, a especialista explica que os dados, de uma forma geral, ainda não estão no plano estratégico das empresas, tendo a sua gestão encarada como um custo. “Estamos ouvindo que o dado é o novo petróleo há muito tempo, mas isso ainda não está amplamente dentro das estratégias e prioridades das companhias. Neste campo, as ações são muito pontuais”. Outro fator destacado por ela é a falta de validação dos dados, que acarreta falhas de informação, cadastro com atributos imprecisos e conteúdos duplicados.
Ana Paula também destaca que o atual momento vivenciado pelo varejo alimentar corresponde à uma segunda Era na utilização dos dados. “Na medida que avança a preocupação com a experiência dos clientes, mais importante o dado fica. Passamos de uma fase onde o dado tinha apenas valor operacional e logístico para uma fase de dados mais robustos, dedicados a conhecer e engajar o consumidor, especialmente no ambiente on-line”, explica. “É por isso que falhas no cadastro se tornaram um problema ainda mais crítico, justamente porque o varejo está fazendo operações híbridas, por causa da multicanalidade.”
O tamanho do problema
De acordo com uma pesquisa realizada pela própria GS1 Brasil no varejo nacional, em produtos com vários atributos, ou seja, várias características, em 80% dos casos há um atributo incorreto. Isso ilustra a dimensão do desafio e o impacto que ocorre nas operações supermercadistas.
“A gestão eficiente do cadastro de produtos é um desafio global. Um estudo internacional conduzido pela GS1 detectou que 80% das empresas varejistas não estão seguras em relação ao seu cadastro de produtos e que menos de 50% dos produtos industrializados atingiram os requisitos necessários para um planograma correto”, conta Ana Paula. “Além disso, o estudo também revelou que 8,7% das vendas são perdidas devido à imprecisão no inventário e que 50% dos consumidores já enfrentaram problemas com o serviço de clique e retire, num momento em que essa operação cresce em muitos países, inclusive no Brasil.”
Para a gerente da GS1 Brasil, o caminho para se ter um cadastro de produtos bem gerido passa pela implementação de uma cultura de dados, com métricas, colaboração e transparência, que conte com o envolvimento da alta direção da companhia e a área de tecnologia nessa estratégia. “E sempre é bom lembrar que todo item deve ter uma identificação única e que o varejo precisa cobrar isso de seus fornecedores. Outro ponto é a busca por informação. A GS1 disponibiliza para todo o varejo o Cadastro Nacional de Produtos. Hoje tem 55 milhões de produtos cadastrados nesta plataforma”, finaliza a executiva.
Suporte de ponta a ponta
O CEO da Vércer, Farias Souza, também é um profundo conhecedor do atual cenário do cadastro do varejo e dos gargalos que existem nesta área. Em sua entrevista para a reportagem de SuperHiper, reproduzida na íntegra a seguir, ele compartilhou sua visão sobre a dimensão do desafio que os supermercados ainda enfrentam e a realidade que ainda vigora neste importante fundamento para as operações das empresas do setor.
Quando vocês conquistam um novo cliente, quais as principais dores e gargalos que identificam nas empresas varejistas?
A principal dor é que ainda se tem muito trabalho manual, o que gera uma série de falhas e inconsistências, deixando o cadastro incompleto e boa parte incorreta. Acredito que é preciso avançar muito fortemente sobre o processo de automatização, usando mais a tecnologia a nosso favor. O varejo, nos últimos anos, em função da pandemia, tem sido empurrado para esse processo tecnológico, mas ainda está bem atrasado em relação ao processo interno de automatização. Acredite se quiser, mas o cadastro é feito nas grandes redes, no Brasil, ainda de maneira manual, ou seja, chega um novo produto físico na área de cadastro e lá tem um colaborador que pega esse produto, apura suas informações e as insere no sistema. Tem várias empresas do varejo que ainda fazem isso. Outros estão um pouco mais adiante e usam planilhas de Excel, que a gente sabe que ainda a possibilidade de falhas é enorme, principalmente de classificação fiscal e tributária.
Vocês têm algum levantamento ou estimativa dessa proporção de quanto o varejo ainda está no processo manual e como anda o nível de automatização do cadastro?
Eu estimo que os dez maiores do Ranking ABRAS estão com 70% a 75% de processo cadastral automatizado. Do 11º até o 100º, vamos encontrar um nível de automatização em torno de 15% a 20%. Olha o tamanho do gap desse negócio. Aqui na Vércer, nós temos a possibilidade de apoiar esses 80% que ainda trabalham com esse processo manual.
Quais são as maiores consequências de um cadastro de produtos mal gerido?
O primeiro grande problema é o varejo não conseguir vender um determinado item, porque se o sistema não tiver uma classificação fiscal do produto de acordo com o que a gente chama de NCM [Nomenclatura Comum do Mercosul], não é possível colocar o produto pra dentro, ou seja, receber esse produto na doca. Esse é o maior problema, perder venda. Porque imagina uma grande indústria de material químico, que lançou um produto que todo mundo está vendendo e a sua rede não o está porque o cadastro não está feito. O segundo problema é classificar de maneira incorreta e correndo o risco de tomar uma multa. A loja está vendendo, tudo certo, mas quando acontece uma fiscalização e encontra irregularidades, todo o lucro que obteve com as vendas será perdido com o pagamento de multas. Isso falando de classificação fiscal. Esses são os dois principais problemas que a gente encontra.
No caso de um serviço de automatização, como o da Vércer, o varejo tem acesso a que tipo de informações e dados dos produtos?
Vércer vem de verificação e certificação. Nossa empresa trabalha e entrega três pilares de dados. No primeiro pilar, a gente fala da descrição completa do produto, em torno de 1.000 atributos e informações que a gente pode capturar de um produto, como peso, todas as dimensões do produto, altura, largura, centímetros, milímetros. E não apenas do produto-base, mas também informações da embalagem, do palete, tabela nutricional, no caso de alimentos; se o produto for químico a gente pega toda a tabela química, captura todas essas informações. Como isso pode ser útil? Imagina no e-commerce você ter a descrição completa do produto para facilitar a busca pelo cliente, isso vai te ajudar a vender mais e melhor. No segundo pilar temos a classificação fiscal, com a qual entregamos para o varejo as informações corretas e validadas do produto, que fazem parte da classificação fiscal para se vender um produto. E o terceiro pilar, que é a cada dia mais importante, são as fotos, as imagens em alta definição. Temos até dez fotos de cada produto, inclusive para alguns itens com foto em 360 graus. Imagina que a pessoa vai comprar um celular no site de um supermercado, ela vai poder ver a foto do aparelho em 360 graus, para facilitar a compra do cliente de e-commerce. Facilita também para o varejo, que vai montar o e-commerce e não precisar tirar fotos.
Além desses dados dos produtos, vocês realizam a descrição, que é muito comum e muito importante para o e-commerce?
Sim, oferecemos uma descrição completa do conteúdo. Vinhos, por exemplo, é uma categoria que tem muitas informações e atributos, como o país, o tipo de uva, o tamanho da garrafa, o tipo de rolha; são todas as informações que vão ajudar o cliente escolher melhor e com isso a empresa vai vender mais. Tem também informações sobre como e quando usar o produto, de novo, no caso de um vinho, com qual alimento ele combina. Estamos falando em torno de 1.200 informações de cada produto.
E como vocês fazem para estar com o sistema sempre atualizado?
Hoje, capturamos informações de 540 indústrias. No nosso contrato com elas, está acordado que qualquer alteração precisa ser informada, para podermos fazer uma nova captura de informações. E de maneira colaborativa, o varejo também pode nos sinalizar a ocorrência de mudanças. Imagina, por exemplo, que a lata de Coca-Cola 350 ml mudou, mas a foto ainda é a antiga. Nesse caso, o próprio varejo pode solicitar que a gente faça uma nova captura. Ou seja, o varejo nos apoia garantindo que as informações estejam corretas.
Ou seja, tem uma escala colaborativa entre os três elos. O varejo, a indústria e a Vércer.
Nós temos o guardião no contrato, junto à indústria, o qual diz que ela precisa nos mandar uma nova amostra de um produto que está mudando, seja a cor da embalagem, o tamanho, a dimensão. A indústria é obrigada e nos mandar essa informação, mas temos, também, do outro lado, o varejo que está recebendo o produto e que pode, de maneira colaborativa, informar que um produto não está batendo com as características eletrônicas. Essa parte de lançamento de produtos não para nunca. E criar esse processo dentro do varejo, de maneira que ele seja mais eficiente, é a função da Vércer, para apoiar e agilizar esse processo cadastral. Imagina uma Unilever, que vende no Brasil inteiro e precisa falar com todos os varejistas do Brasil sobre o cadastro. Ela vai ter que falar, por exemplo, com cerca de 2.500 redes de varejo, enquanto a Vércer já está conectada com essas redes, facilitando o trabalho dela.
Hoje vocês atendem quantas empresas supermercadistas?
Estamos em 89 redes de varejo, hoje, só que no nosso portfólio em implantação temos 286 redes. Nós adotamos como estratégia integrar o nosso sistema aos grandes ERPs, como Bluesoft, Totvs e SAP, por exemplo. Estamos finalizando o processo de integração com eles, para que dentro do seu próprio ERP o varejista já receba as informações atualizadas. Ele não precisa baixar uma planilha ou informações de um site. Não vai ter manipulação de dados. Dentro do ERP, já vai ter um botão da Vércer para atualizar as informações dos produtos.
Pegando sua expertise nesse segmento, no caso de pequenas empresas supermercadistas, médias, que de repente não têm condições de recorrer a um serviço tão qualificado como esse, como elas conseguem ter um pouco mais eficiência no cadastro?
Vamos imaginar que sou dono de um pequeno supermercado, em São Paulo, com cinco ou seis check-outs e eu tenho problema de cadastro. Se esse supermercado for associado da Apas, da Asserj, da Abase e da Agos, ele tem o cadastro de maneira gratuita, aqui junto da Vércer. Nós temos um contrato de convênio com essas associações para que os associados possam consumir as informações na plataforma da Vércer, de maneira totalmente gratuita. E isso tanto para um varejista que tenha dois check-outs ou que tenha 40 lojas.
O desafio de gestão de dados
- Nos produtos com vários atributos, em 80% dos casos há uma característica incorreta.
- Menos de 50% dos produtos industrializados cumprem os requisitos necessários para um planograma correto.
- 80% das empresas varejistas não estão seguras em relação ao seu cadastro de produtos.
- 8,7% das vendas são perdidas devido à imprecisão no inventário.
- 50% dos consumidores já enfrentaram problemas com o serviço de clique e retire.
Fonte: GS1