Em Destaque · 15 março 2022

Estratégia busca adaptação a mudanças no carrinho do consumidor, pressionado pela inflação

As grandes marcas e redes de supermercados decidiram mexer em seu portfólio, a fim de acompanhar as mudanças no carrinho dos consumidores provocadas pela inflação, há seis meses na casa dos 10%, considerando o acumulado em 12 meses. A guerra na Ucrânia agrava o quadro inflacionário, que está com tendência de alta.

As gôndolas passaram a dar destaque a rótulos mais baratos, e muitas vezes desconhecidos, além dos de marca própria. Itens mais acessíveis foram para as prateleiras do alto, à altura dos olhos do comprador, e os mais caros desceram, ou até sumiram.

Basta percorrer alguns mercados para ver a mudança. Em uma rede na Zona Norte do Rio, as tradicionais marcas de sabão em pó deram lugar à linha própria do estabelecimento. O mesmo com alguns tipos de biscoito. Em outra, também na Zona Norte, havia apenas um rótulo de açúcar refinado à disposição.

Pelo lado das empresas, a Nestlé, por exemplo, vem adaptando o tamanho de suas porções, e a P&G criou embalagens maiores, mais econômicas. O Carrefour investiu na marca própria e congelou preços. E a rede paranaense Condor ampliou o mix de produtos mais em conta e tirou das gôndolas vinhos e chocolates que não tinham saída devido ao preço salgado.

Impacto direto

No Rio, mais de 80% dos supermercados substituíram marcas caras por outras que pesam menos no bolso em alimentação, higiene e limpeza, conforme levantamento feito em janeiro pela Associação de Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj).

— Há hoje três fatores que apertam a renda dos brasileiros: a inflação, o desemprego e as dívidas. Tudo isso pressiona o consumidor a escolher itens mais baratos — diz Guilherme Mercês, consultor da Asserj. — Isso se reflete diretamente na forma como os produtos são oferecidos e como são dispostos nas gôndolas.

O diretor de Operações da rede paranaense Condor, Maurício Bendixen, explica que cada gôndola de cada mercado é analisada visando melhorar o uso do espaço:

— Fazemos um mix e vamos acompanhando a saída dos produtos. Na pandemia, trouxemos mais os de segunda linha e demos mais espaço para eles nas gôndolas. Chegamos a tirar alguns itens que eram muito caros.

Segundo ele, nos alimentos, os consumidores trocaram até mesmo produtos de alta fidelidade às marcas, como arroz e café. Na limpeza, deram prioridade às embalagens maiores.

A P&G Brasil, por exemplo, lançou a versão de três litros do amaciante Downy.

— Observamos a busca por tamanhos maiores, tendo assim descontos na unidade ou no litro do que é comprado. Isso é notório nas fraldas — conta Marcos Bauer, diretor sênior de Inteligência de Mercado e Desenvolvimento de Categorias da P&G.

O Carrefour não só percebeu a mudança de interesses do consumidor como viu sua marca própria, hoje com mais de 4.500 itens, crescer em produtos antes dominados pelas líderes de mercado. As vendas cresceram 50% nos últimos dois anos e hoje correspondem a quase 20% do total.

Para Allan Hock, diretor de marca própria do Carrefour, é significativo penetrar em categorias antes inimagináveis, com recompra:

— Isso significa que o cliente comprou e gostou. As fraldas e as cápsulas de café da nossa marca vendem mais que as líderes de mercado. Nossa ração para cachorro, que é um mercado com players muito fortes, também cresceu e corresponde a cerca de 20% das vendas da categoria.

O empurrão para seus produtos também vem do congelamento de preços que a empresa fez na pandemia e que pretende retomar neste ano. Hock conta ainda que o Carrefour estuda desenvolver embalagens maiores para produtos comprados em grande quantidade, como limpeza e fraldas, desde que haja redução de custo.

— Estamos levando menos e pagando mais. A compra lá para casa era suficiente para o mês inteiro, e dava uns R$ 700, R$ 800. Agora pago R$ 1,3 mil, R$ 1,5 mil, e com as compras bem menores — conta a aposentada Leonor Silva, de 85 anos, que com um genro sustenta uma família de oito, entre filhos e netos.

Pesquisa mostra trocas

Outra que adaptou o portfólio foi a Bimbo Brasil, dona das marcas Pullman, Plusvita, Nutrella e Ana Maria. Houve desaceleração na venda de itens de maior valor, como pães de forma saudáveis, tortilhas e minibolos, comuns no lanche da escola. Mas cresceu o consumo básico do pão de forma tradicional e dos bolos.

Estudo da consultoria Kantar, exclusivo para O GLOBO, identificou as principais alterações nos carrinhos de compras de 2020 para 2021. Em higiene, beleza e limpeza, a troca de marca é mais recorrente. Para alguns produtos de mercearia doce e bebidas, o consumidor costuma manter suas preferências. Já a carne é substituída.

— Nos itens básicos, que mais têm sofrido impacto da inflação, como farinha, óleo, café e feijão, o consumidor costuma equilibrar entre diminuir o volume ou migrar para marcas mais baratas — ressalta a diretora de Usage da divisão Worldpanel da Kantar, Aurélia Vicente.

Na cesta de compras da diarista Marlene Adão, de 58 anos, a marca tradicional de sabão em pó foi substituída por uma inferior, mais barata. O tomate e a cenoura saíram do cardápio, e carne e legumes, só quando há alguma promoção boa.

— Vou vendo os anúncios na televisão, e conforme vou precisando e o preço está bom, venho ao mercado — desabafa a moradora de Botafogo, na Zona Sul, que vive com marido, filha e neto.

Já a aposentada Maria Ricardina Araújo, de 64 anos, adotou outra estratégia:

— Como moro sozinha, preferi não substituir as marcas de que gosto, mas, se está muito caro, não compro. Na semana passada, por exemplo, o maço do coentro estava a R$ 4. Voltei para casa sem.

Fonte: O Globo