Em Destaque · 27 maio 2021

Para escapar da pressão inflacionária e organizar melhor as despesas em tempos de crise, consumidores preferem esse modelo de negócio aos tradicionais supermercados 

A pandemia bagunçou as divisões entre os canais de venda no Brasil. Após ganharem mercado em 2020 – quando voltaram a respirar após anos de crise em todo o mundo – os hipermercados perdem novamente clientela neste ano até o início de maio. E os minimercados, beneficiados pelo “boom” do “home office” e do isolamento social, também vêm reduzindo o ritmo. E não se trata apenas de efeito da base de comparação mais forte de 2020. Segundo dados de maio da Nielsen, na linha de frente em termos de expansão nas vendas estão o atacarejo e os supermercados tradicionais, com avanços acima da média do setor de autosserviço ou próximo dela.

No caso dos hipermercados, o modelo vem perdendo o apelo da compra numa única parada, que favoreceu o canal na pandemia, além de ter sentido o recuo na venda de eletrônicos neste ano. No campo oposto, o atacarejo segue em alta sustentado pela percepção de preço baixo, que ganha relevância maior com a pressão inflacionária na cesta de alimentos, que não cedeu no segundo trimestre. “A ilusão acabou e a realidade bateu. Os hipermercados estão retornando ao patamar normal, com desempenho abaixo do restante. E as redes saem da pandemia voltando ainda mais sua artilharia aos atacarejos novamente. Tudo está virando atacarejo”, disse Manoel de Araújo, socio diretor da consultoria Capital Broker.

Segundo relatório da Nielsen, encaminhado aos associados da Abras, entidade do setor, a fatia dos hipermercados no valor vendido no autosserviço recuou de 22,8% de janeiro a maio de 2020, para 20,6% neste ano. A venda subiu apenas 1,1%, sendo que no total o setor cresceu 11,9%. O Valor apurou que de janeiro a 9 de maio a taxa perdeu força, com alta acumulada de 0,5%.

Nos minimercados, a participação nas vendas sofreu leve recuo, menor que nos hipermercados, mas o canal foi se distanciando da fatia de quase 8% que chegou a bater em 2020. A taxa passou de 7,7% para 7,4% de janeiro a maio de 2020 e 2021, respectivamente. Com base no faturamento total do setor, de R$ 554 bilhões em 2020, cada 0,1 ponto equivale a R$ 554 milhões. O faturamento avançou 8,6%, também abaixo da média.

Há efeito da queda na venda de eletroeletrônicos nos hipermercados, com a reabertura das lojas das redes especializadas, como Magazine Luiza e Casas Bahia, mas esse impacto é parcial. Isso porque a operação on-line dessas varejistas se manteve por meio do on-line, e em ritmo acelerado. E os próprios números da época mostram que, apesar da alta, não houve explosão de venda de duráveis nos hipermercados – o que turbinaria a base. Até maio de 2020, a venda subia 7%, frente a uma média ia de 11%.

“As taxas do hipermercado estão bem mais moderadas. O canal ganhou a preferência pela necessidade de compra rápida e que ocorre numa só parada. Isso foi perdendo o apelo”, diz Roberto Butragueño, diretor de atendimento ao varejo da Nielsen. “O hipermercado é um modelo questionado no mundo há anos, e as redes foram adaptando as lojas às mudanças de comportamento e vão ter que continuar nesse movimento.”

Seguindo na liderança, o atacarejo ganhou fatia no bolo total, passando de 31,7% para 34%, com as vendas acelerando num ritmo quase o dobro do geral (19,9%), mesmo com a forte base de 2020. Esse modelo é o que mais vende no país, após superar os hipermercados em 2018. “Há o apelo do preço mais baixo num período de renda em declínio, e eles melhoraram o nível de serviço. E não se trata de um ganho com lojas novas, porque as redes reduziram aberturas após a crise”, diz Butragueño.

Nesse cenário, mais de um ano após o início da pandemia, as redes tentam fortalecer seus canais mais estratégicos. O GPA vai retomar abertura do Pão de Açúcar e do Minuto Pão de Açúcar para acelerar crescimento com lojas novas. Mas não há planos de abrir novos hipermercados. As vendas dos hipermercados do GPA encolheram 7,3% de janeiro a março. Na bandeira Pão de Açúcar, de supermercado, a queda foi de 3,5% e os minimercados cresceram 34%. Serão 50 Pão de Açúcar até 2024 e 100 pontos do Minuto, sendo 20 lojas para 2021, disse a analistas em maio o CEO Jorge Faiçal.

O grupo ainda começou, na metade de 2020, a praticar preços próximos ao do atacarejo em 45 dos 103 pontos dos hipermercados Extra para uma cesta determinada de itens. Até o fim de setembro, o restante das lojas também sofrerá a mudança. É o mesmo modelo de atuação do Assaí, rede que sofreu cisão do GPA neste ano, e que apurou 21% de alta na receita até março. O Assaí tem projeção de 25 a 30 inaugurações ao ano até 2024.

O Carrefour não sentiu a desaceleração do hipermercado – o canal cresceu 12,4% no primeiro trimestre, após reestruturação do modelo em 2018, quando entrou com postura comercial mais agressiva. Mas também não tem projeto de inauguração de hipermercado neste ano. Todo o foco do investimento está no atacarejo, com 45 novas unidades do Atacadão (parte conversão do Makro). E avalia retomar aberturas de lojas de vizinhança em 2022.

Fonte: Por Adriana Mattos, Valor