Em Destaque · 09 novembro 2021

Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor abriu seis investigações preliminares pela falta de informação ao consumidor

Uma prática comum no início dos anos 2000 voltou ao dia a dia dos consumidores: a redução do tamanho das embalagens nas gôndolas dos supermercados. No entanto, essa diminuição na quantidade nem sempre reduz o preço cobrado pelo produto. Com a volta da inflação alta, essa prática é considerada por especialistas como uma forma de mascarar a elevação dos preços.

Pesquisa realizada em mercados de Porto Alegre pelo Movimento Edy Mussoi de Defesa do Consumidor (EMDC), antes chamado de Movimento das Donas de Casa, apontou mudança na quantidade comercializada de produtos como leite condensado, aveia, farelo de aveia e pão de sanduíche. O presidente do EMDC e do Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC), Cláudio Ferreira, explica que as indústrias têm autonomia e podem optar pela redução das embalagens ou da quantidade de produto vendido, porém, precisam deixar clara essa mudança ao consumidor.

— Não é a primeira vez que acontece e, infelizmente, não deve ser a última. A maquiagem de produtos já vem ocorrendo há algum tempo. É algo comum em época de uma crise acentuada. E isso contraria frontalmente o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, que diz que toda informação ao consumidor deve ser adequada e clara. Também afronta uma portaria do Ministério da Justiça que estabelece regras sobre informações ao consumidor em relação a mudanças na quantidade das embalagens — explica.

Ferreira destaca ainda que essa informação deve ser mantida pelas empresas por seis meses após as alterações, inclusive em vendas pela internet.

— A alteração na quantidade tem um potencial de lograr o consumidor. Por isso a importância de a mudança ficar clara ao consumidor. O erro não está em reduzir. O produtor pode comercializar como achar por bem, mas ele não pode deixar de informar o consumidor — frisa.

A redução nas embalagens é reclamação unânime do público. Na saída de um mercadinho do bairro Santana, em Porto Alegre, a cabeleireira Cristiane Lubini, 46 anos, citou a dificuldade que teve em presentear as crianças no último Halloween.

— Tudo que é mercadoria, principalmente doce, reduziu. Fui dar um waffer para as crianças, mas tá muito menor. Antigamente, eram duas camadas, agora é só uma. O chocolate, então, é só uma casquinha. Tem que comprar mais — lamenta.

Margarida Reimann, 65, compara a quantidade menor em cada produto com o seu preço inalterado.

— Só levo promoção. Chocolate pra família tem que levar uns três, fica caro. A gente faz mágica, ainda mais com salário de aposentada — lamenta.

O comerciante Renato Lang enfrenta outro problema com a constante mudança no peso: o sistema não identifica o produto, que precisa ser recadastrado. No caixa, os clientes reclamam e deixam de levar as ofertas que, reduzidas em seu conteúdo, não são suficientes para o número de pessoas da casa.

Lang revela também ter descoberto, nos últimos meses, embalagens nunca antes vistas na gôndola.

— O açúcar tem embalagem de 800 gramas para parecer mais barato. É de matar — diz.

O empresário brinca que até o par de chinelos foi impactado:

— A gente não vendia 45/46, agora já tem até 47/48.

O Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor abriu seis investigações preliminares, em nível nacional, envolvendo empresas que reduziram a quantidade comercializada, mas não informaram essa mudança ao consumidor. Ainda não foram divulgados os nomes das marcas nem quais os produtos investigados.

De tudo que é tamanho

Quem fornece para os mercadistas também tem de ouvir reclamações. Nilton Bertoletti administra um pequeno atacado no bairro Teresópolis. Questionado pela reportagem sobre as embalagens menores, pegou cinco exemplos: dois achocolatados da mesma marca, com peso distinto, além de biscoitos, latas de milho, sachês de extrato de tomate e sacos de ração.

— Olha esse milho, eles escrevem que tem 200 gramas, para o consumidor comparar. O concorrente tem 180 (gramas). Um biscoito, quando lançaram, era de 200 gramas, agora é metade. E não há redução do preço — explica.

Para Altair Trombeta, 84, mais do que os pacotes pequenos, a falta de dinheiro é o real motivo para a fome.

— O preço está caro, mas o problema está nas famílias pobres, morrendo de fome, sem dinheiro. Profundamente lastimável que o Brasil, cheio de virtudes, passe por essa pouca vergonha, de tudo que é feito pelos dirigentes do país — comenta.

Redução para caber no bolso

Para o presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), há uma série de fatores pressionando os preços dos alimentos e outros produtos de primeira necessidade.

— Sentimos muito claramente uma perda no poder de compra das famílias gaúchas, por isso, a redução do tamanho de algumas embalagens, pela indústria, é um dos meios de garantir o acesso dos consumidores a esses itens — avalia.

No entanto, Longo ressalta que o consumidor precisa ter muito clara a quantidade do produto que está comprando.

— Esse movimento (de redução de quantidade) certamente acontece pela incapacidade de o consumidor adquirir todos os produtos de que necessita, com as altas frequentes de preço que vêm ocorrendo — considera.

O presidente da Agas destaca, ainda, que o setor está espremendo suas margens:

— Mas a principal aula de gestão quem está dando é o consumidor, que mata parte da inflação com sua criatividade, poder de pesquisa e migração para outros produtos.

Na avaliação da engenheira de alimentos e presidente de Associação Brasileira de Embalagem de Aço (Abeaço), Thais Fagury, a redução no tamanho das embalagens vai ao encontro do novo formato das famílias brasileiras.

— Não existe falta de aço no mercado. A redução da volumetria atinge novos públicos e oferece novas oportunidades de consumo — considera.

Oportunidade de consumo também é o motivo da mudança nas embalagens de ovos. Segundo o presidente-executivo da Associação Gaúcha de Avicultura (Agas), José Eduardo dos Santos, o setor ampliou a oferta de embalagens de acordo com a necessidade do consumidor.

— Não é uma mudança por conta da inflação ou da crise provocada pela pandemia. É uma tendência que já vem há alguns anos e que está alinhada ao comportamento do consumidor, que busca outros tamanhos de bandejas, visto que o número de pessoas morando sozinhas aumentou, como também as famílias estão menos numerosas — observa.

Além disso, segundo Santos, a oferta de ovos em menor quantidade já é uma realidade no exterior.

Consumidor penalizado

Para o presidente do Sindicato das Indústrias da Alimentação do Rio Grande do Sul, Marcos Oderich, não é justo penalizar o consumidor, reduzindo o tamanho do produto entregue sem a proporcional diminuição dos preços.

— Essa tendência pode passar aos consumidores habituados a comprar os pesos certos a se sentirem lesados com essas reduções, que, na prática, são aumentos de preços provocados pela inflação mundial devido à pandemia — afirma.

O que diz a portaria

A portaria nº 392, do governo federal, estabelece várias diretrizes sobre a rotulagem de produto embalado em caso de alteração na quantidade. Entre as determinações está a informação clara da a ocorrência de alteração quantitativa, a quantidade de produto existente na embalagem antes e depois da alteração, além da quantidade de produto aumentada ou diminuída, em termos absolutos e percentuais. Essas informações devem estar expostas em caixa alta, em negrito e em cor contrastante. Além disso, esses dados não podem estar em locais encobertos e de difícil visualização como as áreas de selagem e de torção.

Fonte: GZH Economia