Em Destaque · 07 junho 2022

Venda de remédios sem prescrição, por exemplo, representam 31% do mercado nacional e está no centro de uma briga de gigantes

Os Medicamentos Isentos de Prescrição – conhecidos como MIPs e que são encontrados facilmente nas prateleiras de farmácias e de drogarias – são protagonistas de duas discussões no Congresso Nacional e na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Atualmente, os produtos só podem ser vendidos por farmácias, mas a possibilidade também é pleiteada por gigantes do e-commerce e representantes de supermercados de olho em um mercado que rendeu R$ 20 bilhões no Brasil somente em 2021.

A discussão no Congresso está focada na tramitação de dois projetos de lei: PL 1.774/2019 e PL 1896/2021. Ambos permitem a venda de MIPs por outros estabelecimentos comerciais, além das farmácias. O texto foi bem recebido pela ala liberal do Legislativo, mas enfrenta resistência de setores da indústria farmacêutica e, especialmente, do Conselho Federal de Farmácia (CFF).

Isso porque esse tipo de abertura comercial representa uma perda significativa da reserva de mercado das farmácias. A venda desses remédios – que inclui comprimidos para dor de cabeça, febre e indigestão, por exemplo – representa 31% de tudo o que o mercado farmacêutico vende por ano. No ano passado, foram vendidos 1 bilhão de unidades de medicamentos categorizados como MIPs no país.

Isso é o que pontua a relatora do PL 1774, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP). Para ela, ampliar os locais de venda de medicamentos seria benéfico para o consumidor, que teria maior liberdade para escolher onde comprar. “Esses medicamentos são isentos de prescrição justamente por serem seguros. Hoje eu posso comprar quantas aspirinas eu quiser na farmácia que não serei abordada pelo farmacêutico ou pelo caixa que está lá dentro, então, não faz diferença alguma serem vendidos nas farmácias ou em supermercados”, pondera.

Ela também comenta que, diante de maior concorrência, os preços dos medicamentos isentos de prescrição poderiam cair, argumento que pode ganhar eco na Câmara diante da situação econômica do país, com inflação alta e redução do poder de compra do brasileiro.

Em outubro do ano passado, o tema foi levado à Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, que colocou frente a frente representantes da indústria farmacêutica, do Ministério da Saúde e de entidades ligadas à venda de medicamentos no varejo. A reunião terminou sem um consenso sobre o tema e uma nova audiência pública deve acontecer até o final de junho.

Mas apesar de estar em debate no Congresso, a última palavra sobre o tema deve partir mesmo da Anvisa. Que, por enquanto, continua permitindo a venda desses produtos apenas em farmácias.

E-commerce de remédios

O que está em discussão na agência, no momento, toca em outro ponto sensível para o mercado varejista: a venda de MIPs em e-commerce, inclusive, em plataformas de gigantes da tecnologia e do varejo como a Amazon. Em 2020, a plataforma lançou uma farmácia on-line em que era permitido ao usuário criar um perfil para receber as receitas prescritas por profissionais da área médica.

A inovação mexeu com o mercado de fármacos nos Estados Unidos e, no Brasil, a prática foi barrada pela Anvisa, e a gigante foi proibida de fazer propaganda e disponibilizar medicamentos em seu site. A realidade é que, mesmo sem regulamentação, a venda online já acontece por parte de farmácias e drogarias, um fenômeno anterior à pandemia da Covid-19 e que foi acelerado nos últimos dois anos. 

Embora tenha um posicionamento conservador sobre a comercialização de medicamentos, o secretário-geral do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Gustavo Pires, reconhece que o mercado varejista não pode ignorar os avanços tecnológicos. Mas essa flexibilização, defende, deve ser decidida com cautela.

“A gente sabe que a questão da venda on-line não tem volta, a gente tem que regulamentar de uma forma mais clara e mais precisa, de modo a não deixar mais brechas. Mas o problema do marketplace, na nossa visão, é a mistura de medicamentos com outros produtos, e o medicamento não é um produto qualquer”, comenta.

A automedicação também é uma preocupação da Anvisa e de organismos internacionais de Saúde. O consumo de medicamentos deve ser baseado na relação benefício-risco. Ou seja, os benefícios para o paciente devem superar os riscos associados ao uso do produto. Essa avaliação é realizada a partir de critérios técnico-científicos, de acordo com o paciente e o conhecimento da doença.

Para se ter uma ideia da dimensão e da gravidade do problema, a Organização Mundial da Saúde (OMS), calcula que mais de 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou vendidos de forma inadequada. Além disso, metade de todos os pacientes não faz uso dos medicamentos corretamente. Nesse ponto, o CFF defende que a presença de um profissional de farmácia em locais de venda de medicamentos é importante no trabalho de orientar o consumidor.

A capilaridade das farmácias também é um argumento usado por quem questiona a flexibilização dos pontos de venda. Para Pires, não falta acesso a medicamentos no país, já que, atualmente, o Brasil conta com 89 mil farmácias comerciais e 45 mil postos e unidades de saúde onde medicamentos são distribuídos. Ele chama a atenção, inclusive, para a falta de capacidade da indústria farmacêutica em abastecer esses pontos.

“As farmácias têm alcance e, mais que isso, a indústria não consegue muitas vezes abastecer os pontos de vendas que temos atualmente. Isso fica muito claro para nós quando, por exemplo, chega o inverno e temos falta de antigripais. Como está acontecendo agora, com vários estados do país sofrendo com a falta de paracetamol, por exemplo”, aponta.

Do outro lado do debate, Marli Sileci, vice-Presidente Executiva da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para o Autocuidado em Saúde (Acessa), defende que medicamentos isentos de prescrição são o primeiro recurso da população para enfrentar sintomas leves e devem ser entendidos como uma necessidade, não simplesmente uma tendência de consumo.

Para a Acessa, o tema não está focado apenas na venda de medicamentos, mas vitaminas, suplementos e dermocosméticos também poderão ser encontrados mais facilmente em diferentes plataformas. “É claro que, se ao persistirem os sintomas, o médico deverá ser consultado”, brinca.

“Mas em um primeiro momento o MIP é muito últil, ajuda a economizar dinheiro público e tem que ser estendido para toda a população. Por isso, precisamos pensar em como deixar essa jornada de acesso mais rápida e organizada, seja com venda física ou online”, finaliza.

O grupo de trabalho organizado pela Anvisa foi instituído em 9 de fevereiro deste ano e se reúne quinzenalmente, às quintas-feiras, para debater sobre o tema. Além do CFF e da Acessa, participam outras 19 entidades ligadas à indústria farmacêutica, de mobilidade, tecnologia e saúde.

Fonte: Correio do Povo