Empresas de Varejo de Alimentos combatem o desperdício e ainda buscam inserir a eficiência energética em seus processos
A cada ano, o Brasil produz cerca de 80 milhões de toneladas de lixo. Um terço desse volume vai parar nos lixões a céu aberto ou nos aterros sanitários espalhados pelo país. Cerca de 90% dos resíduos descartados inadequadamente poderiam ser reaproveitados. Porém, por falta de políticas públicas e coleta seletiva, o país reutiliza menos de 4% desse total, segundo dados da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).
Na outra ponta, dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) revelam que 127 milhões de toneladas de alimentos são jogados fora por ano na América Latina. No Brasil, de acordo com a Embrapa, 41 mil toneladas de alimentos vão parar no lixo todos os dias. O desperdício começa na colheita, quando 10% da produção se perde; passa pelo manuseio e transporte, com perdas de 50%; centrais de abastecimento (30%); e chega aos supermercados e à casa das pessoas (10%), segundo revelou a ONG Banco de Alimentos.
O avanço da agenda ESG na cadeia do varejo alimentar, porém, vem acelerando a adoção de novas estratégias para combater o desperdício e implementar uma gestão de resíduos mais eficiente. O movimento não é exclusivo das grandes redes, embora grupos como GPA, responsável pela bandeira Pão de Açúcar, e o Carrefour, que tem sob seu guarda-chuva o Atacadão, tenham arrancado na frente. “Temos um compromisso global de promover a diminuição do impacto provocado pelo resíduo gerado por nossas lojas ao meio ambiente e à sociedade”, afirma Lucio Vicente, diretor de Assuntos Corporativos e Sustentabilidade do Grupo Carrefour Brasil. “Isso envolve o desenvolvimento de embalagens mais sustentáveis para os produtos de marca própria, geração de renda para cooperativas de reciclagem, práticas de economia circular e combate à fome, entre outras iniciativas.”
O trabalho no Carrefour começou há 15 anos com programas de doação de alimentos, se intensificou em 2009 com a entrada em vigor da Política Nacional de Resíduos Sólidos e a cada ano vai ganhando mais força com novas iniciativas. “Em 2014, começamos a absorver o que seria descartado pelos produtores, por conta do padrão estético, para vender a preços 20% menores ou usar na fabricação de nossos produtos”, diz Vicente. “Há dois anos também passamos a transformar o resíduo 100% alimentar em terra vegetal, um insumo que é comercializado em 48 das 100 unidades da rede.”
Em 2021, o Carrefour Brasil doou 956 toneladas de alimentos, produziu 85 toneladas de coprodutos, comercializou 3.099 toneladas de produto único (fora do padrão estético) e evitou o desperdício de 4.140 toneladas de alimentos, além de coletar 51 toneladas de resíduos via logística reversa. No Atacadão foram produzidas 3.743 toneladas de compostagem e 2.847 toneladas de ração animal.
Transformar sobras de pão em farinha, frutas muito maduras em sucos concentrados, reembalar produtos fracionados, realizar ofertas de itens próximo do vencimento são, segundo a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), algumas das estratégias adotadas pelas redes de supermercados para diminuir o desperdício e não perder faturamento. De acordo com o último levantamento da entidade, 74,4% das redes têm programas de reaproveitamento de produtos.
É o caso da paranaense Condor, com 56 lojas nos estados do Paraná e Santa Catarina, que faz um trabalho de rastreabilidade e gerenciamento de categoria em parceria com fornecedores. “Hoje, menos de 1% das perdas é por validade”, afirma Maurício Bendixen, diretor de operações do Condor Super Center. “Com relação aos resíduos, 90% do volume gerado são reaproveitados, seja por cooperativas parceiras, seja para doação a programas contra a fome e até para alimentação de animais silvestres em recuperação.” Em 2021, a rede destinou 203 toneladas de alimentos para o programa Mesa Brasil.
Só no varejo, 42,5% das perdas de alimentos não perecíveis têm como causa a data de validade vencida, de acordo com a Abras. A lei é rígida: se passou da data de validade, não pode ser comercializado, nem consumir. Para minimizar essa perda, começam a se espalhar pelas grandes cidades as lojas que vendem produtos próximo do vencimento – período que pode variar de dois dias a alguns meses -, apelidadas pelos consumidores de “vencidinhos”. Os descontos chegam a 90%, quanto mais próximo do descarte, mais baratos ficam. Trata-se do avanço de um movimento conhecido internacionalmente como Best Before (melhor consumir até) que na União Europeia e países como o Reino Unidos, Estados Unidos e Canadá, já conta com regras claras para adoção.
Com uma agenda bem definida na área de gestão de resíduos, o Grupo BIG firmou parceria com a empresa de biotecnologia Bioconverter para instalação de máquinas que transformam os restos de perecíveis orgânicos em um líquido que pode ser destinado ao sistema de esgotamento sanitário com segurança. Iniciado em 2021, o projeto contempla 55 lojas da rede. “O tratamento e a destinação correta dos resíduos são fundamentais para diminuir a quantidade de lixo enviada aos aterros sanitários”, diz Maíra Rossi, diretora de sustentabilidade. “Com a solução, diminuiremos a quantidade de material orgânico destinado aos aterros, reduzindo o número de viagens e a pegada de carbono”.
Segundo maior custo do varejo supermercadista – só perde para a folha de pagamento -, com gastos equivalentes a R$ 3 bilhões por ano, segundo a Abras, a economia de energia também é foco de atenção. O GPA foi das primeiras do setor a pensar em fontes de energia renovável. O trabalho começou em 2005 e a meta é chegar a 95% das lojas até 2024. Entre as ações adotadas está a instalação de usinas solares.
O estudo Geração Distribuída: Mercado Fotovoltaico, da Greener Consultoria, mostra que o varejo é o setor que mais usa energia solar, com 38% dos sistemas em atividade no país. E os supermercados ocupam a ponta do ranking com 74% das instalações comerciais, segundo a pesquisa.
Fonte: Valor