No campo do entendimento do shopper, o CRM vem ganhando cada vez mais protagonismo. Veja, também, o potencial de impacto de outras ferramentas voltadas à fidelizar os consumidores
Colocar o cliente no centro das decisões, com o objetivo de bem atendê-lo e fidelizá-lo, é uma expressão cada vez mais proferida entre os supermercadistas e os profissionais da indústria. Diversos fatores, como as mudanças no comportamento dos consumidores e o advento do conceito de multicanalidade, já estavam fomentando de maneira consistente este conceito e a chegada da pandemia ajudou a evidenciar ainda mais essa máxima.
Por consequência, tornam-se ainda mais pertinentes as discussões em torno da desafiadora missão de estabelecer um relacionamento estratégico com os clientes, especialmente em relação à implementação e manutenção de ações e programas de fidelização. Uma coisa é certa: o brasileiro é receptivo a vantagens e recompensas. Segundo uma pesquisa da Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (Abemf), incentivos que ajudam a economizar dinheiro são a principal razão pela qual o consumidor participa de um programa de fidelidade: 71% dos consumidores têm essa preferência. De acordo com a entidade, o Brasil possui cerca de 150 milhões de cadastros em programas de fidelidade.
Um dos pontos importantes dos programas de fidelidade são as informações que podem ser obtidas com o cadastro dos clientes. A partir disso, podem ser retiradas informações capazes de fornecer insights importantes para a construção de uma jornada do consumidor cada vez mais customizada.
A intensificação do processo de relacionamento com clientes ficou mais visível no varejo nos últimos três anos, segundo o CEO da GS Ciência do Consumo, Thiago Simonato. Primeiro, pelo movimento de digitalização em toda a sociedade e, segundo, pela digitalização de acesso aos dados e conhecimento mais profundo dos consumidores. Segundo ele, tanto o varejo quanto a indústria perceberam o diferencial em trabalhar com dados de consumidores e perfil de pessoas. “Você consegue acelerar negócios, integrar cadeias de abastecimento, direcionar melhor investimentos que antes eram feitos de forma mais massificada. Todo esse processo e a adoção de plataformas de fidelidade de CRM vieram ajudar nesse sentido”.
Duas crenças limitantes, no entanto, ainda impedem que o varejo deslanche plenamente nos programas de relacionamento personalizado e de fidelização, afirma Simonato. A primeira é a falta de uma cultura interna, tanto no pequeno quanto no grande varejo, de buscar conhecer melhor os consumidores e usar esse conhecimento como apoio para a área comercial, marketing e operações.
“Muitas vezes por uma limitação de pessoas dentro do negócio, o varejista também não se sente preparado para operacionalizar um programa de fidelidade”, diz. A segunda limitação está presente no caso de varejistas que tentaram realizar campanhas, não contaram com suporte e tiveram o objetivo frustrado, formando uma ideia negativa sobre o assunto. “Em alguns momentos, esse mercado de CRM foi queimado por iniciativas que não estavam aderentes com o momento ou com o porte dos clientes. Temos uma premissa de que, mais do que a plataforma, o importante é dar ao varejista uma metodologia para que ele tire o máximo de proveito da solução.”
O universo do CRM
“A estrutura de um sistema de relacionamento, o CRM, pode ser vista como o chassi sobre o qual é desenvolvido um programa de fidelidade”, exemplifica o sócio-diretor da Propz, Danilo Nascimento. “Personalizar o consumo hoje, ou seja, entregar o mesmo produto com condições individuais personalizadas, de acordo com o perfil de cada cliente, é a única forma de manter uma estratégia de alavancagem de vendas com margem sustentável, pois depender, exclusivamente, de baixar preço acaba destruindo o negócio numa espiral negativa”, explica. “O desconhecimento atua como uma barreira para que o varejista usufrua dos ganhos de competitividade proporcionados pela tecnologia.”
Versátil, o CRM pode ser implementado independentemente do porte da rede varejista. O executivo destaca que uma solução mais completa informará ao varejista, por exemplo, quantos clientes dele estão predispostos a serem introduzidos em determinada categoria ou a serem recuperados, com base em possibilidades preditivas, ou seja, indicadas pelos algoritmos do sistema. Outro suporte está na realização de uma comunicação mais eficiente, com base nos dados e histórico que se tem dos clientes. Para ilustrar, ele cita um exemplo hipotético de um varejista que tende a enviar oferta de azeite para clientes que já costumam comprar o produto na loja, independentemente de ser contemplado com uma oferta. Mas, com a ajuda da tecnologia, ele reforça que é possível identificar clientes cujo comportamento de compra revela alta propensão em utilizar azeite, como consumidores de pescados, por exemplo, e que não compram o azeite na loja daquele varejista.
Danilo Nascimento também chama atenção para o fato de ser comum o varejista associar o CRM, unicamente, ao disparo de campanhas e, por isso, dizer às vezes que a ferramenta não funciona. “Estes são casos em que só é feito o disparo de campanha, sem uso de inteligência analítica. E se não tiver essa inteligência, de fato, a ação pode não funcionar.”
As informações de comportamento de consumo do cliente passam a ser coletadas a partir do momento em que ele aceita participar do programa de relacionamento e fornece seu CPF cada vez que passa pelo check-out. Com a coleta das informações sistematizadas, o algoritmo processa os dados das compras e faz associações dos perfis de produtos adquiridos, tíquete, frequência de visitas à loja e detecta oportunidades a serem exploradas.
Cartão próprio
O cartão de crédito próprio, ou private label, também tem sido mais utilizado como meio de relacionamento personalizado com a clientela no varejo. Duas características contribuem para sua boa performance. Uma é o crédito pré-aprovado que inclina o usuário a aumentar o valor dispendido, e outra, por se tratar de um meio de pagamento customizado, já contendo dados de identificação, proporciona a “modelagem do comportamento de consumo”, ou seja, a identificação de hábitos e preferências de compras do cliente, possibilitando gerar ofertas direcionadas (personalizadas) por um sistema CRM.
“Ter o cartão da própria rede leva o cliente a concentrar as compras no estabelecimento, gera recorrência e aumento de gasto de cerca de 55%”, afirma o diretor estratégico da DMCard, Tharik Moura. Em complemento ao negócio de cartões private label, a administradora também passou a oferecer um serviço agregado de CRM. “Quando a gente consegue colocar a ferramenta de fidelização, o CRM, ele dá um alavancada na venda e os 55% já sobem para 60%”, diz Moura. Para alcançar esse resultado, diante do interesse e da anuência do varejista, é instalado um software da administradora no PDV da loja, que captura as transações da compra do usuário do cartão e as envia para a DMCard alimentar o sistema de oferta direcionada, ou seja, oferta personalizada de acordo com as preferências, hábitos, afinidades e comportamento de compra do consumidor.
Ainda sobre a aplicação do CRM, o executivo da DMCard lembra que o uso da ferramenta, além de viabilizar uma relação com o cliente baseada em seu histórico de compra, ainda culmina em um maior poder de negociação com a indústria. Isso porque, baseado em experiências anteriores, o varejo tem como saber que, ao disparar uma oferta personalizada, venderá R$ 100 mil de um determinado refrigerante em um dia, por exemplo, o que permite negociar com o fornecedor uma condição mais favorável.
Recompensa garantida
Também tem se tornado mais comum no varejo supermercadista campanhas que lançam mão dos chamados “selinhos”, disponibilizados aos clientes mediante o desembolso de valor pré-estabelecido e que, como resultado de sua soma, culmina na entrega certa de prêmios aos clientes, sem a necessidade de participar de sorteios. Em outras palavras, o cliente tem a garantia que será contemplado.
“Essa ação de fidelização busca atingir dois objetivos junto ao consumidor. Primeiro, provocar uma experiência emocional por meio da campanha, levando-o a uma conexão com a marca ou bandeira varejista. A partir disso, busca-se o segundo objetivo, de levar a uma conexão transacional com o consumidor, ou seja, fazê-lo aumentar a frequência de compras na loja e elevar o valor do tíquete médio”, explica o CEO da BrandLoyalty no Brasil, Lucas Palombo. “Com essas premissas, os varejistas que participam de campanhas de fidelização obtêm um aumento de 22% de frequência do consumidor na loja e um incremento de venda de 10%”, afirma o executivo da companhia, que se dedica a operacionalizar toda a logística dos produtos definidos como prêmios, sempre com a proposta de ser itens diferenciados para despertar o desejo dos consumidores e reforçar a proposta de recompensa.
Personalização é a palavra-chave para os resultados, que podem ser alcançados somente a partir do uso enfático de tecnologia e dados no embasamento das campanhas desenvolvidas, diz ele. “Eu diria que 40% de nosso esforço está voltado para produto e comunicação e 60% para tecnologia e dados”, destaca. Desse modo, todas as decisões que configuram uma campanha, ou seja, sua duração, o valor do tíquete almejado, o aumento de visitas à loja, os produtos a serem oferecidos para resgate, tudo é calculado e analisado a partir dos dados personalizados do comportamento dos clientes com o uso de CRM.
No ano passado, a empresa realizou uma parceria com a Kantar que revelou que 85% dos consumidores disseram esperar ser recompensados por sua fidelidade com vantagens que vão além de descontos, e 68% disseram que gastariam mais se existissem programas de fidelidade nos estabelecimentos que frequentam. O estudo ouviu 1.597 consumidores das cinco regiões do País.
À medida que o varejo realiza mais campanhas deste perfil junto à sua clientela, a tendência é o aperfeiçoamento da mecânica e também o aumento da adesão por parte dos clientes. Em uma loja ainda iniciante, a participação de clientes que coletam selos e participam do resgate de produtos costuma alcançar em torno de 45% a 55% da base. Quando a rede varejista está mais madura nesta ação, pode-se chegar a participações que atingem 80%, segundo a BrandLoyalty.
No início de agosto, a empresa ativou uma campanha junto ao Carrefour, para fortalecer a relação com os clientes cadastrados no app Meu Carrefour e que participam do Minhas Recompensas. Neste caso, os clientes que juntarem todos os selinhos necessários podem escolher entre oito opções de produtos colecionáveis da marca Tupperware.
Dinheiro de volta
Mais recentemente também tem ficado cada vez mais comum a prática do chamado cashback, outra medida que proporciona ao cliente a garantia de retorno imediato do seu desembolso. Neste caso, o consumidor pode receber de volta, a cada compra ou quando atinge um valor mínimo, uma porcentagem do valor gasto em forma de dinheiro ou bônus. A devolução, geralmente, ocorre na conta bancária do cliente, em alguma carteira digital ou é transformada em um abatimento na conta. Nas lojas físicas, o cashback pode ser uma solução para aumentar a frequência dos clientes no estabelecimento e também, contribuir para aumentar o ticket médio das próximas compras, se o uso do cashback estiver atrelado a um valor de compra mínima.
Uma das redes supermercadistas pioneiras no oferecimento deste benefício é a rede Condor, que desde o ano passado promove a campanha “Dinheiro de volta” para os membros do programa Clube Condor, que já ultrapassam 3,2 milhões de clientes. “O Condor foi o primeiro supermercado a oferecer programa de cashback com distinção de fornecedor, o que aumenta o tamanho das vantagens e fideliza os consumidores”, destacou Ricardo Zonta, vice-presidente da rede.
O supermercadista ainda ressalta que, pelo aplicativo, os clientes também podem participar de promoções de “Compre e Concorra”, viabilizadas por fornecedores da rede. Neste caso, o cliente compra um dos produtos participantes da campanha e ganha um número da sorte para concorrer aos sorteios. “A ferramenta é muito importante para a rede conseguir estreitar o relacionamento com os seus clientes e reunir dados para conhecer melhor o perfil de cada consumidor”, diz Zonta. “Desta forma, a empresa pode continuar atuando com o consumidor no centro de suas operações e criar campanhas assertivas, que realmente façam a diferença na vida dos seus clientes.
O cenário da fidelização no Brasil
- O Brasil possui cerca de 150 milhões de cadastros em programas de fidelidade
- 71% dos consumidores visam economia ao participar de um programa de fidelidade
- 85% dos consumidores esperaram ser recompensados por sua fidelidade com vantagens que vão além de descontos
- 68% gastariam mais se existissem programas de fidelidade nos estabelecimentos que frequentam.
- Uso do cartão próprio pelo varejo pode elevar em até 60% o desembolso dos clientes
- Campanhas com o uso dos “selinhos” geram aumento de 22% de frequência do consumidor e incremento de venda de 10%
Fonte: SuperHiper