Influenciados pelos preços da produção, transporte e outros aspectos, como valor da energia elétrica e combustíveis, o valor do alimento vendido nos supermercados é o resultado de muitas outras altas
Especialmente desde o início da pandemia da Covid-19, o cenário atual é do bolso dos brasileiros é de muito gasto e pouca fonte de renda. Ainda que com a abertura do comércio e o início da retomada econômica, brasileiros tenham voltado a trabalhar presencialmente e retornado o consumo um pouco mais perto do habitual, produtos básicos continuam com preços que não cabem no orçamento, e a lista de prioridades do que se comprar ou não se mantém cada vez mais enxuta.
Administradora, Andréia Barros é prova viva desta situação. Para ela, ir ao supermercado não mais é uma situação prazerosa, uma vez que cada vez que vai, acaba comprando menos e pagando mais. Antes, em uma compra mensal que Andréia desembolsava mais de R$ 1.200. Hoje, ela explica que R$ 1.700 não é suficiente, ainda que ela tenha feito diversos cortes e adaptações.
“Gosto muito de queijos, e o queijo fatiado que antes comprava em média por R$ 30, agora encontro por mais de R$ 40 o quilo. O óleo de cozinha aumentou muito também e estou optando pela banha”, explica. A realidade, basicamente, é outra. Produtos de marca não são prioridade, e sim os que estão de promoção – estratégia também utilizada por Nathan Pires, que inclusive passou a preferir comprar em atacadistas, que por venderem em maiores quantidades, acabam reduzindo o preço.
“Estou assustado com os preços. Estou precisando adequar as compras, porque os preços estão um horror no nosso país. Por isso, sempre procuro fazer compras mensais e ir em busca daqueles produtos que estejam em promoção”, diz Nathan.
As dificuldades de Andreia e Nathan podem ser mostradas de forma mais efetiva através dos novos dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) quanto ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Com variação de 0,93%, a prévia da inflação em Goiânia mostra que o grupo de alimentação e bebidas alcançou sua sétima alta consecutiva, de 1,69%. Só em 2021, esse aumento foi de 6,71% e a acumulada dos últimos 12 meses – comparando os dados com setembro de 2020 – subiu 14,95%.
Ainda que o consumo esteja mais restrito neste momento, os próprios itens que compõem a cesta básica se mostram difíceis de serem adquiridos. O arroz, por exemplo, foi um dos itens que o IBGE registrou ter pressionado a elevação nos preços, uma vez que a alta foi de 1% em setembro. O contrafilé (3,67%), leite longa vida (3,33%) e o próprio frango em pedaços (5,34%) também foram grandes responsáveis por este aumento, ainda que o a compra do frango estivesse agindo como alternativa à carne bovina, que há algum tempo não cabe no bolso dos goianienses.
Ao analisar os dados do IPCA disponibilizados pelo IBGE, o economista e presidente do Instituto Mauro Borges (IMB), Marcelo Eurico de Sousa, explica que, em 2020, houve o represamento dos preços devido ao alto desemprego e a diminuição da demanda. No entanto, com isso, o custo das produções acabou por aumentar e, de forma compensatória, as exportações também.
Com esse cenário, Marcelo explica o grande impacto que a logística de produção sofreu, uma vez que os preços dos alimentos também são impactados pelo próprio aumento da energia elétrica e dos combustíveis, que também estiveram em alta nos últimos meses.
“Agora, esses preços começam a se recuperar, o produtor começa a recompor seus gastos sobre o preço do produto final em razão de que a economia começa a dar sinais de melhora, a mão de obra começa a ser reabsorvida. O setor produtivo começa a reabsorver boa parte da mão de obra e isso aumenta o consumo. No entanto, da mesma forma que aumenta o consumo, não há mais como o produtor segurar o preço, em razão de seus custos altos”, pontua. Com isso, Marcelo esclarece que esses aumentos dentro do setor produtivo são refletidos na inflação, por isso tamanhas alterações nas porcentagens medidas pelo IPCA.
O próprio valor das embalagens, de acordo com as estatísticas nacionais ao IPCA do IBGE, acumulou alta de 9,68% nos últimos 12 meses, o que também contribuiu com o valor final dos produtos alimentícios dispostos nas prateleiras dos supermercados. Para entender como o preço desses alimentos se comportou nos últimos meses, o Jornal Opção buscou dados de itens importantes da cesta básica, como arroz, feijão, café, óleo e carne.
Arroz, óleo e feijão
Para o presidente da Associação Goiana de Supermercados (Agos), Gilberto Soares da Silva, um dos grandes fatores que influenciam na alta de preço dos grãos é o preço do dólar devido a necessidade de exportação. O óleo de soja, por exemplo, estaria sendo mais utilizado para o biodiesel que para alimentação. “Aí fica a questão de oferta e procura, que regula o mercado. Até o açúcar é um exemplo. Ele subiu muito de preço porque está sendo direcionado etanol e diminui um pouco a oferta do produto”, diz.
De acordo com o IBGE, a alta acumulada dos últimos 12 meses do preço arroz chega a 44,46% em Goiânia. Já o feijão carioca, de acordo com o instituto, esse aumento em comparação ao mesmo período do ano anterior chegou a 11,34%. Superando as demais porcentagens, a alta acumulada nos últimos 12 meses do óleo de soja chegou a 75,98% em agosto. Isso, porque em agosto de 2020, o percentual era de 0,23%.
Já a economista e supervisora técnica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), Leila Brito, explica que o alto preço do arroz veio especialmente da redução da oferta interna e maior exportação, devido a redução de oferta dos grandes exportadores mundiais – Vietnã e Índia, dada a pandemia da Covid-19. Ela ainda explica que, nos últimos dez anos, a área plantada do arroz foi reduzida e o aumento da produtividade foi incapaz de compensar a queda da área plantada.
Café
Em Goiânia, a alta acumulada de 12 meses do café moído, que é vendido nos supermercados, segundo o IBGE, é de 24%. No entanto, o próprio presidente da Associação Goiana de Supermercados (Agos), Gilberto Soares da Silva, afirmou que para a compra do produto, a alta é de quase 100%. “Nós mesmos não compramos café com esse preço elevado de agora. Fomos comprar hoje uma quantidade menor. Na negociação, conseguimos um recuo”, conta. Assim, com o elevado preço de compra e produção, os industriais tiveram que repassar para o consumidor os preços do chamado café beneficiado, que é o café verde ou cru.
Em concordância com Gilberto, o presidente do Sindicato da Indústria de Torrefação e Moagem de Café do Estado de Goiás (SinCafé), Jaques Silvério, explica que o preço do café verde subiu 100%. Segundo ele, uma saca de 60 quilos que há seis meses custava R$ 500, hoje não sai por menos de R$ 1.000. Esse preço influencia de forma direta nos valores do café torrado e moído que se faz disponível nas prateleiras dos supermercados para compra do consumidor.
Um dos motivos que causaram esse aumento de preço no café verde, segundo Jaques, foi a bienalidade do café, sendo 2021 um ano que rendeu menor quantidade de café nas produções que 2020, pela própria estrutura fisiológica da lavoura do café. Geadas que recentemente ocorreram nas regiões produtoras também contribuíram para a menor produção e, consequentemente, maior preço dos produtos finais.
Segundo o terceiro levantamento da safra de 2021 da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), divulgado no último dia 21, a produção de café brasileira deve atingir até 46,85 milhões de sacas, número 25,7% menor em relação ao de 2020. O ano passado, inclusive, bateu recorde de sacas, com mais de 63 milhões. A própria área da produção é considerada 4,4% menor que no ano anterior. Isso, porque atualmente a área estimada para produção é de 1,8 milhão de hectares espalhados pelo Brasil.
Essas questões, no entanto, de acordo com Jaques, não afetam apenas o consumidor. Ele explica que principalmente as pequenas e médias indústrias diariamente sofrem para adquirir matéria prima. “Hoje as grandes torrefações que fizeram compras futuras e as estão recebendo agora, estão com maior facilidade em sobreviver. Já pequenas indústrias de café estão passando por uma dificuldade muito grande”, pontua.
Isso, porque a produção de café em Goiás é muito pequena, ainda que ele reforce que o produzido estadualmente tem ótima qualidade. “É um dos menores estados do Brasil em produção”, ressalta. Assim, os produtores precisam se refugiar na compra de quase 90% do café que usa em outros estados, como Minas Gerais, Rondônia, Espírito Santo, São Paulo e Paraná.
Carnes
A alta acumulada das carnes dos últimos 12 meses, de acordo com o IBGE, é de 33,36%. Para o Para o presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Carnes Frescas no Estado de Goiás (Sindiaçougue), Silvio Carlos Yassunaga, só em 2021, o aumento dos preços observado nos açougues só em 2021 varia entre 60 e 70%, e o impacto no consumo é comprovado.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), por exemplo, mostra que 2021 o brasileiro apresentou seu menor nível de consumo de carne bovina dos últimos 25 anos. Em relação a 2019, a queda é de quase 14%, de modo que cada pessoa consome uma média de 26,4 quilos de cortes bovinos ao ano. Para Silvio, entre as principais motivações, estão as altas exportações. Ele explica que, como os frigoríferos internacionais compram em dólar, que se encontra em alta, e os brasileiros negociam em real, os estrangeiros acabam tendo força de compra junto aos pecuaristas.
Já para o presidente da Associação Goiana de Supermercados (Agos), Gilberto Soares da Silva, o preço da carne também é um influenciado pela época de produção, sendo agora um momento de “estiagem”. “Os gados que vêm sendo abatidos são confinados, mas trato está muito caro pela escalada do dólar e com isso há um impacto no preço final”, diz.
Para o presidente do Sindicato das Indústrias de Carnes e Derivados do Estado de Goiás (Sindicarne), Leandro Luiz Stival Ferreira, a maior alta no preço das carnes bovinas ocorreu em 2020, fazendo com que agora os valores se mantivessem estagnados. Ele explica que, para os produtores, o que realmente vem aumentado são os insumos utilizados na produção, como milho, soja, telha, tijolo, cimento, ferragens, tecido, energia elétrica, água e combustível, que acabam por influenciar no preço final da carne a ser vendida ao consumidor.
“Onde está tendo maior aumento é na fase final. Na parte da produção e da indústria, nos últimos meses não mudou nada”, acrescenta.
Impacto ao consumidor
Assim como a energia elétrica e os combustíveis, o grupo dos alimentos é um dos que tem o maior impacto no dia a dia dos brasileiros. “O consumidor, principalmente o de menor renda, sente isso com muita pressão, porque estamos falando do básico do consumo dele. Alimentação, transporte e moradia”, diz o presidente do IMB, Marcelo Eurico. Para ele, as substituições por opções mais baratas são as alternativas mais viáveis para driblar o momento. Além disso, preferir sempre produtos de época, que pela grande oferta, acabam reduzindo o preço.
A administradora Andreia, que antes gozava de uma rotina agitada com alimentações fora de casa, compra de refeições por aplicativo e até optava por comidas importadas, precisou abrir mão de tudo isso para opções mais econômicas. No seu cotidiano, ela explica que até o modo de comer frutas ficou diferente, com o intuito de economizar. “Antes eu fazia saladas de frutas com uma grande variedade, e agora comemos as frutas separadas pois assim economizamos mais”, explica.
O presidente da Associação Goiana de Supermercados (Agos), Gilberto Soares da Silva, concorda. Para que seja possível possibilitar o menor preço possível ao consumidor, em decorrência desse cenário de altos preços, a palavra do momento é negociar. “O bolso do consumidor não tem mais espaço para mais aumento nos preços dos produtos. Isso acaba diminuindo um pouco o consumo e as indústrias acabam tendo que desovar o estoque, passando a aceitar negociações. A palavra do momento é negociar e procurar comprar à vista para termos menores preços ao consumidor”, explica. Com essa negociação, Gilberto ressalta que os supermercados sempre buscam ofertar a maior variedade de preços possível em seus estoques, com opções mais caras e mais baratas a escolha do consumidor.
O próprio impacto aos pequenos e médios empresários, no entanto, não é inexistente. O presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Carnes Frescas no Estado de Goiás (Sindiaçougue), Silvio Carlos Yassunaga, por exemplo, explica que muitas vezes o profissional se prejudica na tentativa de poupar o consumidor.
“Quando aumenta o preço, a impressão que dá é que o empresário está ganhando mais, mas muitas vezes é o contrário. Para não repassar o preço ao consumidor, o empresário sacrifica a margem de lucro, às vezes colocando em risco até a própria sobrevivência da empresa”, explica. Ele ainda acrescenta que, desse modo, o impacto na vida dos trabalhadores é alto. Uma vez que as despesas não caem com a diminuição das vendas, e sim, aumentam. Gilberto, que administra um supermercado na capital goiana, concorda, uma vez que os talões de água e, especialmente de energia elétrica, se mostram cada vez mais altos, mês a mês.
Fonte: Jornal Opção